A Surpresa
“A magia esta em mim, como também esta em você” – explicava a avó ao lhe
mostrar um pequeno ritual de transmutação, em que um pequeno botão de cobre se
convertia em bronze por meio do círculo vermelho – “Todo alquimista é capaz de
executar as canções do Livro Vermelho se tiver a oferenda correta. Nesse caso,
como é um ritual simples, uma simples moeda foi perdida, mas quanto maior o
ritual, maior deve ser a oferenda. Lembre-se disso ao executar rituais
complexos.” – e abria uma nova página no velho livro de capa vermelha e lhe
mandava tentar o próximo – O vidro é mais exigente que o metal, então use algo
mais apropriado. – e assim foi durante toda sua infância. Sempre que ia visitar
a avó, ela arrumava um jeito de despistar seu pai para lhe ensinar a magia. Uma
vez o enviou para recolher ervas, alegando que não estava muito bem e não
gostava de remédios farmacológicos, em outra, alegou que os vizinhos estavam mexendo
em sua certa, nos fundos do sítio e pediu que ele verificasse, e assim tinham muito
tempo a sós para praticar.
Além do Livro Vermelho, a avó lhe orientava a ler outros livros que possuía
em sua estante: A história da alquimia, Alquimistas famosos, A revolta dos
privilegiados, Alquimia: transmutação e espiritualidade e o Dom dos primordiais,
que tratava da capacidade dos primeiros homens em entender a linguagem animal.
Aos poucos Adam foi se tornando capaz de manipular as canções conforme
sua necessidade e, quando o pai faleceu e a mãe começou a exigir mais sua
presença, o afastando da avó, já tinha conhecimento suficiente para prosseguir
sozinho.
Pensava nisso enquanto tomava banho e se livrava do mau cheiro do sótão. Era
muita coisa para um dia só: o reencontro com a avó que não via há anos, a
herança mágica de seu avô, o encontro inesperado com a moça do Corolla, e o
almoço. Pensava em cada detalhe, em cada palavra que diria e a resposta que ela
daria em seguida, para então, dar outra resposta e manter uma conversa
interessante. Se conseguisse impressionar a moça seu sucesso estava garantido.
Apesar de seu porte físico privilegiado e sua bela aparência, não fazia muito
sucesso com as garotas que o achavam esquisito e talvez perfeitinho demais, e
depois que boatos sobre sua sexualidade começavam a circular na faculdade, se
sentia na obrigação de arrumar uma namorada. Se for uma deusa como a moça que me aguarda na sala, tanto melhor, pensou.
Já imaginava a cara dos colegas quando o vissem com ela.
Fechou o chuveiro e enxugou o banheiro. Sua mãe não gostava de encontrar
o piso molhado e sempre o repreendia quando cometia tal pecado, mas hoje nada
poderia dar errado.
Subiu ao seu quarto e vestiu sua melhor roupa, sempre combinando o preto
com o vermelho. Penteou os cabelos e desceu, mas antes de chegar ao fim da
escada ouviu as duas mulheres conversando na sala e pelo tom das vozes o assunto
parecia girar em torno de religião. Sua mãe era católica praticante e apesar de
não exigir do filho que seguisse a mesma convicção, sempre procurou lhe incutir
os ideais cristãos.
Aproximou-se devagar para escutar a conversa e avistou Rebecca sentada de
frente para a mãe na poltrona menor, agitando levemente os braços. Vestia uma
roupa leve: uma camisete azul de seda, bem comportada, por cima do top decotado
e os cabelos, antes soltos, agora estavam presos num belo coque a moda
oriental.
A jovem parecia discordar veementemente de sua anfitriã e tentava
explicar alguma coisa que sua mãe se negava a aceitar.
– Não creio que Deus seja bom – disse a moça – acredito que ele só haja
movido por interesses próprios e ajude somente quando lhe convém, com raras
exceções. E o conceito de bondade é muito vago, ser bom para sua família ou
pessoas próximas não faz de você uma pessoa boa. Deus, por exemplo, ajudou
muitas vezes o povo de Israel, mas duvido que seus vizinhos o consideravam um
símbolo de bondade. Inúmeras vezes Ele ordenou massacres, compactou com
escravidão, estupros, infanticídio e toda sorte de malevolência. Um ser que
ordena o assassinato de crianças inocentes para cumprir seus propósitos não
pode ser considerado bom, e eu conheço bem a história do meu povo já que sou
judia.
Antes que sua mãe pudesse responder Adam entrou na sala. Queria evitar
uma discussão entre as duas e religião era algo que sempre exaltava os ânimos.
As mulheres pararam de conversar ao vê-lo se aproximar e sua nova amiga sorriu
ao perguntar.
– Já está pronto? Então vamos que estou morrendo de fome.
A moça não esperou resposta e virou-se para a mãe de Adam ainda sorrindo.
– Até mais Dona Rute, foi um prazer conhecê-la.
– O prazer foi meu – disse a mãe se levantando para abraçá-la – Volte
outras vezes. É sempre bom ter visitas em casa.
– Volto sim – disse a jovem se afastando – Estou me transferindo para a
mesma universidade do Adam e vamos ter algumas aulas em comum, então sempre que
a oportunidade surgir vamos nos reunir aqui, para fazer trabalhos ou estudar,
se a senhora permitir é claro.
– Desde já tem minha permissão querida, mas já vou avisando: o Junior é
um preguiçoso – disse a mãe virando-se para o filho – nunca faz os trabalhos. Não
sei como ainda vai bem na faculdade. Deve ter herdade a inteligência do pai.
– Hei! Não falem como se eu não estivesse presente – protestou Adam abrindo
a porta para saírem – eu estudo, às vezes – e sorriu para a moça que retribuiu
e desfilou até a porta. Adam acenou para a mãe e saiu, fechando a porta atrás
de si.
O Carro da moça estava estacionado em frente ao portão da casa e atraiu a
atenção dos vizinhos curiosos. A Sra. Penina, uma idosa que morava na casa em
frente, acenou para o rapaz com uma expressão irônica no olhar. Adam sabia que
assim que saíssem ela repassaria a informação às outras vizinhas fofoqueiras do
bairro, mas não se importou, retribuiu o aceno e entraram no carro. A jovem
perguntou se ele gostaria de dirigir, mas o rapaz recusou. Não se importava de
ir de carona e poderia dedicar sua atenção a contemplar a situação. Rebecca
arrancou e ligou o DVD do Corolla, colocando uma música animada. A moça gostava
de ouvir música enquanto dirigia e Adam decidiu deixar as perguntas para a hora
do almoço. O trajeto era curto e logo chegaram ao restaurante. Ela estacionou,
soltou os cabelos e saíram em direção a porta de entrada.
Um chinês, vestido à caráter e com uma faixa vermelha amarrada na cabeça,
os saudou com reverência na entrada e lhes indicou um local para sentarem.
– Belo restaurante – disse a moça enquanto se dirigiam à mesa – me lembra
um templo chinês que visitei com meu pai uma vez.
Adam sorriu e puxou a cadeira para que a moça sentasse. O ambiente era
agradável, todo decorado com balões e bandeiras vermelhas suspensas no teto e
um grande dragão de papel ornamentava o corredor e dava as boas-vindas aos
clientes. Garçons vestidos de branco e vermelho circulavam entre as mesas
colhendo os pedidos e entregando os pratos enquanto uma música ambiente tocava
no fundo. À esquerda da entrada da cozinha ficava o bar onde um velho chinês de
bigode comprido e branco distribuía aperitivos entre os fregueses, e à direita,
mais ao fundo, ficavam os toaletes. O lugar não era requintado, mas aparentava
bom gosto. Adam sentou-se de frente à moça e pegou o cardápio com distinção.
– E então! Vamos de yakisoba?
A moça sorriu de surpresa e concordou com a cabeça.
– Ok, mas achei que íamos comer comida chinesa.
Adam abaixou o cardápio e justificou-se.
– Então... É que eles servem comida japonesa aqui também, mas se você
preferir podemos pedir outra coisa.
– Não! Por mim tudo bem. – disse a moça – Vamos de yakisoba!
Adam fez um sinal para o garçom mais próximo que se aproximou perguntando
o que eles iam querer. Em seguida anotou os pedidos e retornou com um refrigerante,
enquanto na cozinha o yakisoba era preparado. Regressou minutos depois com duas
tigelas de comida, pratos e os talheres, que depositou sobre a mesa.
– Bom apetite – disse o garçom fazendo uma reverência e retirando-se.
Adam não se fez de rogado e logo encheu o prato. Rebecca tentou
acompanhá-lo, mas o rapaz comia com vigor e logo terminou o primeiro.
– O que você dizia mesmo sobre seu pai? – perguntou enquanto punha mais
comida no prato.
– Que visitei um templo parecido com esse restaurante com ele uma vez, há
muito tempo.
– Que interessante, seu pai é viajante?
– Era. – respondeu a moça encarando-o – Ele e minha mãe morreram quando
eu tinha apenas doze anos. Fui criada pelos meus avos depois disso.
– Sinto muito – respondeu Adam se arrependendo de ter perguntado – perdi
meu pai há pouco tempo também e sei que não é fácil.
– Hoje já estou conformada – disse a jovem abaixando o olhar – mas na
época foi bem difícil. Meus avos também sofreram muito e sou muito grata a tudo
que fizeram por mim depois disso. Meu pai era um historiador talentoso, porém seus
estudos mexeram com coisas antigas e perigosas, tanto que suas pesquisas foram
arquivadas depois de sua morte e quase ninguém fala mais nisso hoje em dia.
– Agora você me deixou curioso. – disse o Adam enchendo a boca de
macarrão – O que ele pesquisava?
– A localização do Éden – respondeu Rebecca erguendo a cabeça para fixar
o olhar em Adam – Ele procurava pelo Jardim lendário.
– O q-que! – Adam tentou dizer, mas engasgou e tossiu a comida sobre a
mesa – J-jardim do Éden, isso é l-loucura – respondeu tentando recompor-se.
– Sei que você sabe sobre o jardim
Adam – disse a moça com um olhar frio – e sei que seu avô desaparecido também
buscava por ele. Também tenho conhecimento dos trabalhos dele com alquimia e do
envolvimento dele com o necromante Jonatas Black. Sei também que você é um
alquimista promissor e que sua mãe não compartilha do seu amor pela magia. Sei
muita coisa sobre você e sua família, foi por isso que me mudei para cá.
Adam estava pasmo. Nem em seus devaneios mais loucos poderia imaginar uma
situação como essa. Não sabia mais o que dizer então ficou mudo, apenas olhando
para a garota com cara de assombro. Rebecca se levantou, pegou a bolsa e jogou
o cabelo para trás em atitude provocativa.
– Enquanto você se recompõe vou ao toalete retocar a maquiagem ok?! Não
saia daí. – sorriu e saiu desfilando em direção aos fundos do restaurante enquanto
Adam tentava colocar os pensamentos em ordem. Não conseguira colocar nenhuma de
suas estratégias de conquista em prática e por fim ainda levou um balde de água
fria da moça ao saber que seu interesse por ele era apenas em virtude de alguma
maluquice do avô em suas andanças no passado. Do outro lado do salão Rebecca atraía
olhares e suspiros da plateia masculina enquanto passava pelas mesas, se
dirigindo ao banheiro feminino.
Adam ainda estava com cara de bobo, quando a moça voltou. Ficava olhando
para a comida e remexendo-a com o garfo como se tivesse perdido o apetite. Rebecca
se aproximou da mesa sorrindo e perguntou.
– Vamos pedir a conta? Podemos
continuar essa conversa outro dia se não se importar, hoje não estou muito bem
– E sentou-se novamente encarando o rapaz.
– Ah claro! – disse Adam com polidez fazendo um gesto para o garçom – Você
mudou mesmo para cá?
– Sim! Como eu disse, precisava te encontrar, e como sabia o sobrenome do
seu avô foi fácil localizá-lo. Ontem aluguei um apartamento no centro e fiz a
transferência de universidade. Segunda-feira já começo. – respondeu com um
sorriso tímido.
– Legal! Que curso você está fazendo? – perguntou Adam se esforçando para
manter uma conversa interessante enquanto o garçom que os atendeu trazia a
conta. Rebecca ignorou a pergunta e se ofereceu para dividir, mas Adam insistiu
em pagar sozinho.
– História – disse a moça respondendo à pergunta – Não quer mesmo dividir
a conta?
– Não, tudo bem. A próxima você paga – respondeu tentando ser divertido.
– Ok! Vamos então. Sua mãe disse que o aguardava para fazer comprar e é
melhor não deixá-la esperando. – E pegou em seu braço ao se dirigiam à saída.
Cumprimentaram o atendente e saíram do restaurante. Rebecca ligou o som
assim que entraram o carro e arrancou cantando pneus, enquanto Adam procurava
uma maneira delicada de voltar ao assunto. Não havia engolido muito bem aquela
história e sentia-se em desvantagem com a jovem sabendo tanto sobre ele e sua
família e ele não sabendo nada sobre ela.
– Qual é o seu sobrenome mesmo – arriscou tentando reiniciar a conversa
enquanto a moça iniciava o trajeto.
– Blue. Rebecca Blue – respondeu a jovem sem esboçar reação.
– Hum! Não me lembro de nenhum alquimista com esse sobrenome. De onde
você veio mesmo? – perguntou meio sem graça.
Rebecca sorriu sem olhar para o lado e respondeu.
– Não sou alquimista Adam, nem meus pais eram. Venho de uma família de
cabalistas5 do Sul. Somos muito discretos então é normal você não
ter ouvido falar da gente.
– Que interessante! Por isso a aura azul que vi aquele dia. – disse
pensando alto.
– O que? – perguntou a cabalista virando se para o rapaz.
– Ah! Nada. – respondeu disfarçando – Disse que era interessante. Não
conheço muitos cabalistas por aqui. Vocês trabalham com magia divina não é?
Deve ser bem difícil.
– É a mais desgastante das formas de magia – respondeu Rebecca – porque
trabalhamos direto com nossa energia vital no momento da troca. Não usamos
substitutos como vocês. Então nosso desgaste é bem maior.
Adam fez cara de surpresa e continuo questionando a moça sobre a forma
como o círculo azul recebia as oferendas e Rebecca parecia satisfeita em
explicar. Falou dos cabalistas do passado e de como o privilégio do céu era
respeitado nos círculos de magia e quando deram por si já estavam em frente à
casa de Adam. Sua mãe deu uma olhada pela janela da cozinha ao ouvir o barulho
do carro e sorriu e acenou para o casal. A moça estacionou e desligou o motor.
– Chegamos! –
disse virando-se para o rapaz – Sua mãe já está te esperando.
– Pois é,
acho que já vou indo então. Apesar de tudo foi muito bom almoçar com você
Rebecca. Espero que possamos repetir a dose outra hora.
– A hora que
você quiser Adam, basta me convidar.
O rapaz
desceu do carro e se despediu com um aceno. A moça retribuiu e logo arrancou
novamente. Adam se dirigiu meio cabisbaixo para a porta de entrada onde sua mãe
o esperava sorridente.
– E então,
como foi o encontro?
– Não foi um
encontro mamãe. Foi só um almoço, pra gente se conhecer melhor.
– Sei!
Conheço essa carinha. Você está gostando da moça não está?
A mãe colocou
a mão na cintura e lançou um olhar sarcástico para o filho – Conta para sua
mamãe conta. – E passou as mãos em seu cabelo castanho, tirando-os de sobre os
olhos.
– Que isso
mãe, nada a ver. E se não se importa vou pro meu quarto, quero descansar um
pouco.
– Tudo bem
então. Vou sair, mas não demoro. Se precisar de alguma coisa me ligue ok!
O rapaz consentiu
com a cabeça e subiu as escadas enquanto a mãe foi se arrumar e logo saiu. Decidiu,
então, aproveitar o tempo sozinho para colocar os pensamentos em ordem e desceu
para a sala onde ligou o rádio e se jogou no sofá relembrando os acontecimentos
das últimas horas. Fazia tempo que não tinha um dia tão cheio e a tarde ainda teria
que acompanhar a mãe na comemoração do aniversário, já que ela insistia que
aniversario tinha que ter celebração. O pensamento o fez desaminar e acabou por
virar para o canto e pegar no sono.
Sonhou que
estava no parque e Rebecca corria em sua direção para abraçá-lo, mas as árvores
a agarravam e erguiam-na do chão enquanto seus colegas tentavam matá-lo com
tacos de sinuca. Na mesma hora o sonho mudou para uma sala escura onde olhos
marrons e um sorriso lupino, se admiravam num espelho negro e luzidio que Adam
tinha certeza de já ter visto antes.
Acordou com uma súbita sensação de calor percorrendo
seu corpo e suor escorrendo de seu rosto, enquanto no quintal ao lado, o
cachorro da vizinha latia e gania assustado. Levantou rapidamente e correu para
a janela, bem a tempo de ver um vulto dourado e alado sobrevoar sua casa e
desaparecer, seguindo em direção à reserva.
Afastou-se da janela, assustado, e foi até a cozinha
tomar um copo de água. Será que estou
ficando louco, ou tinha realmente um anjo vigiando minha casa, pensou, fechando
as janelas e voltando para a sala a tempo de ouvir o cachorro da vizinha latir
novamente, mas era só sua mãe chegando das compras.
– Abra a
porta para mim filhote. Estou com as mãos ocupadas.
Foi até a porta, ainda ressabiado e abriu-a para a mãe, que sorriu e
pediu ao filho para ajudá-la com as sacolas e depois guardar o carro da família,
um velho Chevette prateado, que pertencera a seu pai. Quando voltou, a mãe já
havia preparado a mesa e buscado seu presente, um Tablet de última geração que ele
andava cobiçando há anos. Beijou-a agradecendo pelo presente e sentou-se junto
à mesa para cortar o bolo.
– Parabéns filho! Mamãe se orgulha muito de você viu.
– Eu sei mãe – respondeu e abaixou os olhos, constrangido. Era típico de
sua mãe tratá-lo como criança e talvez fosse pelo fato de ser filho único e ter
perdido o pai muito cedo, mas agora já era um homem e gostaria de ser tratado como
tal – Obrigado, mas...
– Nossa! – Disse a mãe se levantando – Você não tinha uma reunião na
facul hoje à tarde? Vai se atrasar.
Adam remexeu-se desconfortavelmente na cadeira. Fora pego de surpresa
pela lembrança da mãe e esquecera-se completamente da mentira que aplicara para
tentar encontrar Rebecca na praça e precisou pensar numa desculpa rápido.
– Err... Não vai ter mais. Foi adiada. Ligaram-me enquanto eu almoçava
com Rebecca.
– Ah! Que bom – disse a mãe aliviada – Assim poderemos comemorar seu
aniversário com tranquilidade.
Adam concordou com a cabeça, ainda meio sem graça por ter mentido para a
mãe e levantou-se para ajudá-la a servir o bolo.
Comeram e beberam refrigerante, enquanto Adam contava os detalhes do
almoço e das perspectivas quanto a Rebecca. A mãe tentava ajuda-lo, lhe dando
conselhos amorosos e dicas para conquistar o coração da garota.
Terminou a refeição e foi para seu quarto, passando todo o restante da
tarde revendo seus artefatos e estudando os símbolos e já era noite quando
desceu para o jantar. Sua mãe estava arrumando a mesa e servindo seu prato.
– Fiz frango assado com batatas para o jantar, sei que você adora.
Adam ia responder quando o telefone tocou na sala, sua mãe foi atender,
o chamando logo em seguida.
– É Rebecca ligando da Universidade – e suspirou – Ela parece preocupada.
Adam correu a até a sala e pegou o telefone ansioso.
– Oi Rebecca, aconteceu alguma coisa?
– Oi Adam, você precisa vir aqui
na universidade, uma coisa estranha está acontecendo, não posso falar por
telefone – falava apressadamente como se algo a estivesse perseguindo – venha o mais rápido que puder – e
desligou.
– O que foi? – perguntou a mãe ao ver a cara de espanto do filho.
– Não sei. Rebecca disse que algo estava acontecendo na facul e que eu
devia ir lá – respondeu ponderado – Parecia assustada.
– Então não deve ir sozinho. Chame a polícia primeiro. Pode ser
perigoso.
– Se Rebecca quisesse a polícia ela mesma teria ligado ao invés de ligar
para mim – e pensou por um instante analisando a situação – Não! É melhor eu mesmo
ir ver o que está acontecendo, talvez seja só um mal entendido.
– E se não for? Você pode estar correndo perigo – disse a mãe aflita,
torcendo as mãos.
– Se fosse algo muito grave ela não teria ligado para um cara que acabou
de conhecer. Deve ser um problema relacionado à facul, talvez algo errado com sua matrícula. Eu disse à ela que
tinha certa influência com a direção e deve ser por isso que me ligou – no
fundo sabia que não era isso. Pelo pouco que a conhecia, sabia que Rebecca
nunca pediria sua ajuda para algo tão banal e lembrou-se do sonho do ataque
mágico perto da universidade, mas não podia dizer nada a mãe para não
preocupá-la.
– Então vai
filhote. Vou deixar a comida no forno e quando voltar você esquenta. Caso ela
ainda não tenha jantado pode convidá-la também.
– Boa ideia
mãe, melhor eu ir agora, quanto mais rápido for, mais rápido voltarei, e não
quero deixar o frango com batatas esperando muito – sorriu tentando parecer
tranquilo.
A mãe
concordou e acompanhou o filho até a porta. Adam pensou em pedir o carro
emprestado, mas sabia que se a coisa complicasse, o mesmo poderia ficar
danificado e era o único meio de transporte que a mãe possuía para ir ao
trabalho.
– Não quer ir
de carro? – a mãe ofereceu lendo seus pensamentos.
– Não, mas obrigado.
A senhora sabe como gosto de caminhar.
A mãe não
teceu mais comentários, apenas acenou preocupada, desejando boa sorte ao filho.
O rapaz retribuiu o aceno e pegou a estrada.
A faculdade
não era longe, então não ia demorar muito mesmo indo a pé, porém o estranho
telefonema da garota ainda o preocupava. Não podia deixar de compará-lo ao
sonho que tivera a tarde e se tinha que enfrentar uma luta mágica, que fosse ao
lado de Rebecca. Não sabia muito sobre os cabalistas, mas imaginava que eram
poderosos. Magia divina, pensou. Estou louco para vê-la em ação.
Em poucos
minutos chegou ao campus. O lugar estava todo às escuras e aparentava estar
vazio. Será que cheguei tarde demais,
pensou preocupado. Devia ter vindo mais
depressa.
Adentrou ao
local examinando tudo ao seu redor. Não havia vestígios de luta e o silêncio
reinava absoluto. Passou pela secretaria e chegava ao corredor que dava acesso
ao ginásio, quando viu um vulto passar por trás da caixa d’água e correr em
direção ao refeitório.
– Ei! –
Gritou e correu atrás do vulto ignorando os riscos.
Adam era
rápido e logo começou a se aproximar, fazendo com que o vulto tentasse
despista-lo, correndo em direção ao pátio da universidade, mas não havia onde
se esconder e ele teve que continuar correndo, apesar de já estar perdendo o
fôlego.
Entraram no
pátio e Adam percebeu que o vulto era uma pessoa de aproximadamente 1,80 de
altura, usando um capuz e uma capa preta. O estranho, ao perceber que não podia
mais fugir, abriu a porta do refeitório e se escondeu e Adam teve que fazer uma
parada para examinar a situação. Pode ser
uma armadilha, mas se não entrar nunca saberei e Rebecca pode estar lá com ele,
pensou. A situação tornara-se dramática e desesperadora e era preciso muita
cautela para não cometer um deslize. Pensou em usar um rito para explodir ou
incendiar a porta, mas poderia ferir Rebecca, e não havia nem um inseto por
perto a quem pudesse pedir ajuda e mesmo que houvesse eles geralmente não o
obedeciam. Poderia ameaçar pisar neles caso se recusassem, mas não havia
garantias que depois de acertado o acordo eles cumpririam sua parte e uma vez
fora de seu alcance nunca mais voltariam para lhe informar o que estava
acontecendo e seria praticamente impossível descobrir o traidor depois, a
maioria eram todos iguais. Não, preciso entrar,
não há outro jeito.
Verificou a
porta e viu que não estava trancada. Seu coração estava a ponto de sair pela
boca, mas prosseguiu, girando a maçaneta e abrindo a porta. Dentro do
refeitório estava ainda mais escuro e parecia que até as janelas de vidro
estavam cobertas. Entrou ressabiado esperando que a qualquer momento o sujeito
do capuz ou algo pior pulasse sobre ele, mas nada aconteceu. De repente as
luzes se acenderam e um coro de vozes alegres gritou.
– SURPRESA!
Adam não
conseguia acreditar, era uma festa surpresa. Rebecca estava em frente à mesa de
coquetéis segurando duas taças de champanhe e olhando para ele sorrindo. Estava
ainda mais linda do que durante o almoço e usava um vestido azul, com um corte
profundo na perna deixando a mostra seu belo par de coxas. O cabelo estava
preso num coque atrás da cabeça e envolto por uma tiara também azul. Um batom
claro realçava seus lábios e sombra azul sobre os olhos combinavam com o
vestido. Atrás da mesa estavam seus amigos e conhecidos da facul e alguns
professores também estavam presentes assim como o diretor. Rebecca se aproximou
e estendeu a mão lhe oferecendo uma das taças.
– Parabéns
Adam! Lhe desejo toda a felicidade do mundo.
Adam corou e
esboçou um sorriso enquanto pegava a taça e tomava um gole. Rebecca o abraçou e
lhe deu um beijo no rosto lhe desejando sucesso, enquanto os demais aplaudiam e
davam gritinhos insinuando um romance.
O salão
estava todo enfeitado, com balões e faixas de parabéns. As mesas e cadeiras
haviam sido dispostas ao redor do salão, para liberar espaço, e apenas as que
estavam com o bolo e aperitivos restaram no fundo preenchendo um pouco o vazio.
Seus amigos começaram a se aproximar e a cumprimentá-lo, abraçando-o ou lhe
dando um aperto de mão e, por último, veio o cara com a capa e o capuz preto
que correra dele atraindo-o para a festa.
– Buuuuh! – exclamou
seu amigo Willian tirando o capuz e rindo da cara de Adam – Te assustei não
foi?
– Claro. Assustar-me-ia
mesmo sem a capa e o capuz. Com essa cara de maníaco homicida.
O amigo riu e
deu um abraço em Adam lhe desejando parabéns, depois voltou para a mesa e
serviu uma bebida, retornando em seguida para o meio do salão e levantando a
taça ao exclamar:
– Um brinde
ao nosso aniversariante. O aluno mais aplicado da faculdade.
Todos levantaram
as taças e beberam, depois o rapaz repetiu o gesto agora fazendo um brinde à
Rebecca pela organização e todos beberam novamente.
– Tenho a
impressão que só estão fazendo esses brindes para terem uma desculpa para
beberem – disse o diretor se aproximando e cumprimentando Adam.
– É verdade
senhor – respondeu o alquimista com um sorriso – mas acho que...
Não terminou
a resposta, pois um dos alunos ligou o som e música eletrônica inundou o
ambiente, provocando os alunos que gritaram de aprovação. Rebecca se desculpou
com o diretor e arrastou Adam pelo salão onde começaram a dançar. Logo outros alunos acompanharam o casal e até
alguns professores mais jovens se arriscaram, seguindo os passinhos dos acadêmicos.
Dançaram por
um tempo, com Adam inventando uns passos e requebrando, mas logo ficou cansado
pela falta de costume e voltou para a mesa de coquetéis, com a amiga para comer
alguma coisa.
Os amigos
olhavam-no com admiração e inveja por estar com Rebecca sempre ao seu lado e
até aqueles com os quais não tinha muita intimidade se aproximavam e lhe davam
tapinhas nas costas lhe desejando parabéns pelo aniversário, mas dando a
entender que lhes felicitavam pela garota que estava ao seu lado. Adam não se
importava e desfilava com Rebecca de um lado a outro do salão, cumprimentando
todos e distribuindo sorrisos.
Ficaram na
festa até às três horas da madrugada, então se despediram e Adam agradeceu a
presença de todos com um pequeno discurso. Alguns insistiram para que
demorassem mais, mas Adam não quis. Estava cansado e Rebecca se dispôs a lhe
dar uma carona já que havia bebido mais que o costume e estava meio zonzo. A
moça, no entanto, parecia estar em perfeitas condições.
– Então até
segunda pessoal. – disse se despedindo – E obrigado novamente.
Os amigos
deram com a mão e logo voltaram a dançar e beber. O casal saiu pelo portão da
frente e contornou a universidade, seguindo em direção à praça. Rebecca que até
então caminhava ao seu lado pegou em seu braço e sorriu suspirando.
– E então, o
que achou da festa?
– Achei
ótima. Vocês me enganaram direitinho. Achei que alguma coisa ruim tinha
acontecido pelo modo como você falou ao telefone.
– A ideia era
essa. – disse a jovem sorrindo – Se dissesse outra coisa estragaria a surpresa.
– Pois é. Até
minha mãe ficou preocupada. Por falar nisso ela vai me dar uma bronca por não
ter ligado e tranquilizado ela depois.
– É mesmo
coitada. Nem deve ter dormido direito.
Adam
concordou com a cabeça e seguiram conversando. Contornaram a praça que ficava
em frente ao campus e viraram a esquina entrando em uma rua escura que dava
para o distrito industrial.
– Mudando da
água para vinho; onde vocês esconderam os carros? – perguntou Adam estranhando
o percurso.
– Deixamos
estacionados atrás daquela estação ferroviária para que você não os visse – respondeu
Rebecca apontando com o dedo – Seu amigo Willian que indicou o lugar. Disse que
quando quer namorar escondido sempre deixa o carro lá.
– O Willian me paga. Quase tive um ataque
cardíaco correndo atrás dele com aquela capa preta e o capuz. Parecia uma
versão escura do uniforme da Ku Klux Kan.
Rebecca riu e
seguiram em direção ao carro que estava estacionado ao lado de um velho vagão. Ela
desligou o alarme e entraram, tomando suas posições. Adam como sempre foi de
carona e a moça arrancou tomando a direção da casa dele.
– Queria te
contar uma coisa. – disse Adam de supetão.
– Diga. –
respondeu Rebecca virando brevemente o rosto para encará-lo. Adam abaixou o
olhar como se estivesse em dúvida se devia ou não falar sobre o acontecido.
– Fale logo
homem. Quer me matar de curiosidade? – insistiu Rebecca brincando.
Adam
ruborizou, mas decidiu contar já que havia começado.
– Não sei se
você vai acreditar em mim, mas... – levantou o rosto e olhou para a moça com
firmeza antes de continuar – acho que vi anjos rodeando a minha casa hoje. Sei
que parece loucura, mas...
– Não. –
respondeu Rebecca voltando a olhar para a estrada – Não é loucura. O movimento
já começou Adam, então é normal que essas coisas aconteçam. Espero que... –
parou antes de completar a frase para ultrapassar um fusca que segurava o trânsito
na avenida. – Bem vamos conversar sobre isso outra hora. Pode ser? Se não me
concentrar na estrada vou acabar cometendo uma barbeiragem.
Adam
consentiu com a cabeça enquanto olhava de relance para Rebecca. A moça parecia
mais quieta que o normal e ele achou que talvez a bebida estivesse finalmente fazendo
efeito. Às vezes franzia a testa como se estivesse sentindo dor e parecia
incomodada com alguma coisa.
Permaneceram
em silêncio o resto do caminho e em poucos minutos chegaram à casa Adam, que não
se aguentou mais de curiosidade e perguntou:
– Está tudo bem Rebecca? Você parece meio doente.
Desceu do carro e fechou a porta atrás de si enquanto
a moça ponderava a resposta.
– Tudo bem – disse por fim enquanto abaixava os vidros
do Corolla e o encarava – só estou menstruada, sabe como é.
– Ah! Normal. Minha mãe também fica incomodada quando
está nesses dias. Tome um analgésico e durma um pouco. Vai melhorar!
– Pois é – disse a jovem de dentro do carro – Vou
fazer isso. – e forçou um sorriso – Até mais Adam, foi muito divertido passar o
dia com você. – e ligou o carro sem esperar resposta e desapareceu pela longa
avenida escura, enquanto Adam entrava em casa e subia para seu quarto, lembrando
que o frango com batatas de sua mãe teria que esperar até o almoço do dia
seguinte.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, num casebre em
ruínas, uma idosa pegou o celular e tentou desesperadamente ligar para o neto,
mas o aparelho apenas emitiu um ruído estranho antes de ser despedaçado por um
forte punho dourado que a arremessou contra parede. A velha levantou os olhos e
amaldiçoou os céus, até ser calada por uma espada reluzente que lhe atravessou
o peito.
***
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