terça-feira, 23 de agosto de 2011

CAPÍTULO III


A Surpresa


“A magia esta em mim, como também esta em você” – explicava a avó ao lhe mostrar um pequeno ritual de transmutação, em que um pequeno botão de cobre se convertia em bronze por meio do círculo vermelho – “Todo alquimista é capaz de executar as canções do Livro Vermelho se tiver a oferenda correta. Nesse caso, como é um ritual simples, uma simples moeda foi perdida, mas quanto maior o ritual, maior deve ser a oferenda. Lembre-se disso ao executar rituais complexos.” – e abria uma nova página no velho livro de capa vermelha e lhe mandava tentar o próximo – O vidro é mais exigente que o metal, então use algo mais apropriado. – e assim foi durante toda sua infância. Sempre que ia visitar a avó, ela arrumava um jeito de despistar seu pai para lhe ensinar a magia. Uma vez o enviou para recolher ervas, alegando que não estava muito bem e não gostava de remédios farmacológicos, em outra, alegou que os vizinhos estavam mexendo em sua certa, nos fundos do sítio e pediu que ele verificasse, e assim tinham muito tempo a sós para praticar.

Além do Livro Vermelho, a avó lhe orientava a ler outros livros que possuía em sua estante: A história da alquimia, Alquimistas famosos, A revolta dos privilegiados, Alquimia: transmutação e espiritualidade e o Dom dos primordiais, que tratava da capacidade dos primeiros homens em entender a linguagem animal.
Aos poucos Adam foi se tornando capaz de manipular as canções conforme sua necessidade e, quando o pai faleceu e a mãe começou a exigir mais sua presença, o afastando da avó, já tinha conhecimento suficiente para prosseguir sozinho.
Pensava nisso enquanto tomava banho e se livrava do mau cheiro do sótão. Era muita coisa para um dia só: o reencontro com a avó que não via há anos, a herança mágica de seu avô, o encontro inesperado com a moça do Corolla, e o almoço. Pensava em cada detalhe, em cada palavra que diria e a resposta que ela daria em seguida, para então, dar outra resposta e manter uma conversa interessante. Se conseguisse impressionar a moça seu sucesso estava garantido. Apesar de seu porte físico privilegiado e sua bela aparência, não fazia muito sucesso com as garotas que o achavam esquisito e talvez perfeitinho demais, e depois que boatos sobre sua sexualidade começavam a circular na faculdade, se sentia na obrigação de arrumar uma namorada. Se for uma deusa como a moça que me aguarda na sala, tanto melhor, pensou. Já imaginava a cara dos colegas quando o vissem com ela.
Fechou o chuveiro e enxugou o banheiro. Sua mãe não gostava de encontrar o piso molhado e sempre o repreendia quando cometia tal pecado, mas hoje nada poderia dar errado.
Subiu ao seu quarto e vestiu sua melhor roupa, sempre combinando o preto com o vermelho. Penteou os cabelos e desceu, mas antes de chegar ao fim da escada ouviu as duas mulheres conversando na sala e pelo tom das vozes o assunto parecia girar em torno de religião. Sua mãe era católica praticante e apesar de não exigir do filho que seguisse a mesma convicção, sempre procurou lhe incutir os ideais cristãos.
Aproximou-se devagar para escutar a conversa e avistou Rebecca sentada de frente para a mãe na poltrona menor, agitando levemente os braços. Vestia uma roupa leve: uma camisete azul de seda, bem comportada, por cima do top decotado e os cabelos, antes soltos, agora estavam presos num belo coque a moda oriental.
A jovem parecia discordar veementemente de sua anfitriã e tentava explicar alguma coisa que sua mãe se negava a aceitar.
– Não creio que Deus seja bom – disse a moça – acredito que ele só haja movido por interesses próprios e ajude somente quando lhe convém, com raras exceções. E o conceito de bondade é muito vago, ser bom para sua família ou pessoas próximas não faz de você uma pessoa boa. Deus, por exemplo, ajudou muitas vezes o povo de Israel, mas duvido que seus vizinhos o consideravam um símbolo de bondade. Inúmeras vezes Ele ordenou massacres, compactou com escravidão, estupros, infanticídio e toda sorte de malevolência. Um ser que ordena o assassinato de crianças inocentes para cumprir seus propósitos não pode ser considerado bom, e eu conheço bem a história do meu povo já que sou judia.
Antes que sua mãe pudesse responder Adam entrou na sala. Queria evitar uma discussão entre as duas e religião era algo que sempre exaltava os ânimos. As mulheres pararam de conversar ao vê-lo se aproximar e sua nova amiga sorriu ao perguntar.
– Já está pronto? Então vamos que estou morrendo de fome.
A moça não esperou resposta e virou-se para a mãe de Adam ainda sorrindo.
– Até mais Dona Rute, foi um prazer conhecê-la.
– O prazer foi meu – disse a mãe se levantando para abraçá-la – Volte outras vezes. É sempre bom ter visitas em casa.
– Volto sim – disse a jovem se afastando – Estou me transferindo para a mesma universidade do Adam e vamos ter algumas aulas em comum, então sempre que a oportunidade surgir vamos nos reunir aqui, para fazer trabalhos ou estudar, se a senhora permitir é claro.
– Desde já tem minha permissão querida, mas já vou avisando: o Junior é um preguiçoso – disse a mãe virando-se para o filho – nunca faz os trabalhos. Não sei como ainda vai bem na faculdade. Deve ter herdade a inteligência do pai.
– Hei! Não falem como se eu não estivesse presente – protestou Adam abrindo a porta para saírem – eu estudo, às vezes – e sorriu para a moça que retribuiu e desfilou até a porta. Adam acenou para a mãe e saiu, fechando a porta atrás de si.
O Carro da moça estava estacionado em frente ao portão da casa e atraiu a atenção dos vizinhos curiosos. A Sra. Penina, uma idosa que morava na casa em frente, acenou para o rapaz com uma expressão irônica no olhar. Adam sabia que assim que saíssem ela repassaria a informação às outras vizinhas fofoqueiras do bairro, mas não se importou, retribuiu o aceno e entraram no carro. A jovem perguntou se ele gostaria de dirigir, mas o rapaz recusou. Não se importava de ir de carona e poderia dedicar sua atenção a contemplar a situação. Rebecca arrancou e ligou o DVD do Corolla, colocando uma música animada. A moça gostava de ouvir música enquanto dirigia e Adam decidiu deixar as perguntas para a hora do almoço. O trajeto era curto e logo chegaram ao restaurante. Ela estacionou, soltou os cabelos e saíram em direção a porta de entrada.
Um chinês, vestido à caráter e com uma faixa vermelha amarrada na cabeça, os saudou com reverência na entrada e lhes indicou um local para sentarem.
– Belo restaurante – disse a moça enquanto se dirigiam à mesa – me lembra um templo chinês que visitei com meu pai uma vez.
Adam sorriu e puxou a cadeira para que a moça sentasse. O ambiente era agradável, todo decorado com balões e bandeiras vermelhas suspensas no teto e um grande dragão de papel ornamentava o corredor e dava as boas-vindas aos clientes. Garçons vestidos de branco e vermelho circulavam entre as mesas colhendo os pedidos e entregando os pratos enquanto uma música ambiente tocava no fundo. À esquerda da entrada da cozinha ficava o bar onde um velho chinês de bigode comprido e branco distribuía aperitivos entre os fregueses, e à direita, mais ao fundo, ficavam os toaletes. O lugar não era requintado, mas aparentava bom gosto. Adam sentou-se de frente à moça e pegou o cardápio com distinção.
– E então! Vamos de yakisoba?
A moça sorriu de surpresa e concordou com a cabeça.
– Ok, mas achei que íamos comer comida chinesa.
Adam abaixou o cardápio e justificou-se.
– Então... É que eles servem comida japonesa aqui também, mas se você preferir podemos pedir outra coisa.
– Não! Por mim tudo bem. – disse a moça – Vamos de yakisoba!
Adam fez um sinal para o garçom mais próximo que se aproximou perguntando o que eles iam querer. Em seguida anotou os pedidos e retornou com um refrigerante, enquanto na cozinha o yakisoba era preparado. Regressou minutos depois com duas tigelas de comida, pratos e os talheres, que depositou sobre a mesa.
– Bom apetite – disse o garçom fazendo uma reverência e retirando-se.
Adam não se fez de rogado e logo encheu o prato. Rebecca tentou acompanhá-lo, mas o rapaz comia com vigor e logo terminou o primeiro.
– O que você dizia mesmo sobre seu pai? – perguntou enquanto punha mais comida no prato.
– Que visitei um templo parecido com esse restaurante com ele uma vez, há muito tempo.
– Que interessante, seu pai é viajante?
– Era. – respondeu a moça encarando-o – Ele e minha mãe morreram quando eu tinha apenas doze anos. Fui criada pelos meus avos depois disso.
– Sinto muito – respondeu Adam se arrependendo de ter perguntado – perdi meu pai há pouco tempo também e sei que não é fácil.
– Hoje já estou conformada – disse a jovem abaixando o olhar – mas na época foi bem difícil. Meus avos também sofreram muito e sou muito grata a tudo que fizeram por mim depois disso. Meu pai era um historiador talentoso, porém seus estudos mexeram com coisas antigas e perigosas, tanto que suas pesquisas foram arquivadas depois de sua morte e quase ninguém fala mais nisso hoje em dia.
– Agora você me deixou curioso. – disse o Adam enchendo a boca de macarrão – O que ele pesquisava?
– A localização do Éden – respondeu Rebecca erguendo a cabeça para fixar o olhar em Adam – Ele procurava pelo Jardim lendário.
– O q-que! – Adam tentou dizer, mas engasgou e tossiu a comida sobre a mesa – J-jardim do Éden, isso é l-loucura – respondeu tentando recompor-se.
 – Sei que você sabe sobre o jardim Adam – disse a moça com um olhar frio – e sei que seu avô desaparecido também buscava por ele. Também tenho conhecimento dos trabalhos dele com alquimia e do envolvimento dele com o necromante Jonatas Black. Sei também que você é um alquimista promissor e que sua mãe não compartilha do seu amor pela magia. Sei muita coisa sobre você e sua família, foi por isso que me mudei para cá.
Adam estava pasmo. Nem em seus devaneios mais loucos poderia imaginar uma situação como essa. Não sabia mais o que dizer então ficou mudo, apenas olhando para a garota com cara de assombro. Rebecca se levantou, pegou a bolsa e jogou o cabelo para trás em atitude provocativa.
– Enquanto você se recompõe vou ao toalete retocar a maquiagem ok?! Não saia daí. – sorriu e saiu desfilando em direção aos fundos do restaurante enquanto Adam tentava colocar os pensamentos em ordem. Não conseguira colocar nenhuma de suas estratégias de conquista em prática e por fim ainda levou um balde de água fria da moça ao saber que seu interesse por ele era apenas em virtude de alguma maluquice do avô em suas andanças no passado. Do outro lado do salão Rebecca atraía olhares e suspiros da plateia masculina enquanto passava pelas mesas, se dirigindo ao banheiro feminino.
Adam ainda estava com cara de bobo, quando a moça voltou. Ficava olhando para a comida e remexendo-a com o garfo como se tivesse perdido o apetite. Rebecca se aproximou da mesa sorrindo e perguntou.
– Vamos pedir a conta?  Podemos continuar essa conversa outro dia se não se importar, hoje não estou muito bem – E sentou-se novamente encarando o rapaz.
– Ah claro! – disse Adam com polidez fazendo um gesto para o garçom – Você mudou mesmo para cá?
– Sim! Como eu disse, precisava te encontrar, e como sabia o sobrenome do seu avô foi fácil localizá-lo. Ontem aluguei um apartamento no centro e fiz a transferência de universidade. Segunda-feira já começo. – respondeu com um sorriso tímido.
– Legal! Que curso você está fazendo? – perguntou Adam se esforçando para manter uma conversa interessante enquanto o garçom que os atendeu trazia a conta. Rebecca ignorou a pergunta e se ofereceu para dividir, mas Adam insistiu em pagar sozinho.
– História – disse a moça respondendo à pergunta – Não quer mesmo dividir a conta?
– Não, tudo bem. A próxima você paga – respondeu tentando ser divertido.
– Ok! Vamos então. Sua mãe disse que o aguardava para fazer comprar e é melhor não deixá-la esperando. – E pegou em seu braço ao se dirigiam à saída.
Cumprimentaram o atendente e saíram do restaurante. Rebecca ligou o som assim que entraram o carro e arrancou cantando pneus, enquanto Adam procurava uma maneira delicada de voltar ao assunto. Não havia engolido muito bem aquela história e sentia-se em desvantagem com a jovem sabendo tanto sobre ele e sua família e ele não sabendo nada sobre ela.
– Qual é o seu sobrenome mesmo – arriscou tentando reiniciar a conversa enquanto a moça iniciava o trajeto.
– Blue. Rebecca Blue – respondeu a jovem sem esboçar reação.
– Hum! Não me lembro de nenhum alquimista com esse sobrenome. De onde você veio mesmo? – perguntou meio sem graça.
Rebecca sorriu sem olhar para o lado e respondeu.
– Não sou alquimista Adam, nem meus pais eram. Venho de uma família de cabalistas5 do Sul. Somos muito discretos então é normal você não ter ouvido falar da gente.
– Que interessante! Por isso a aura azul que vi aquele dia. – disse pensando alto.
– O que? – perguntou a cabalista virando se para o rapaz.
– Ah! Nada. – respondeu disfarçando – Disse que era interessante. Não conheço muitos cabalistas por aqui. Vocês trabalham com magia divina não é? Deve ser bem difícil.
– É a mais desgastante das formas de magia – respondeu Rebecca – porque trabalhamos direto com nossa energia vital no momento da troca. Não usamos substitutos como vocês. Então nosso desgaste é bem maior.
Adam fez cara de surpresa e continuo questionando a moça sobre a forma como o círculo azul recebia as oferendas e Rebecca parecia satisfeita em explicar. Falou dos cabalistas do passado e de como o privilégio do céu era respeitado nos círculos de magia e quando deram por si já estavam em frente à casa de Adam. Sua mãe deu uma olhada pela janela da cozinha ao ouvir o barulho do carro e sorriu e acenou para o casal. A moça estacionou e desligou o motor.
– Chegamos! – disse virando-se para o rapaz – Sua mãe já está te esperando.
– Pois é, acho que já vou indo então. Apesar de tudo foi muito bom almoçar com você Rebecca. Espero que possamos repetir a dose outra hora.
– A hora que você quiser Adam, basta me convidar.
O rapaz desceu do carro e se despediu com um aceno. A moça retribuiu e logo arrancou novamente. Adam se dirigiu meio cabisbaixo para a porta de entrada onde sua mãe o esperava sorridente.
– E então, como foi o encontro?
– Não foi um encontro mamãe. Foi só um almoço, pra gente se conhecer melhor.
– Sei! Conheço essa carinha. Você está gostando da moça não está?
A mãe colocou a mão na cintura e lançou um olhar sarcástico para o filho – Conta para sua mamãe conta. – E passou as mãos em seu cabelo castanho, tirando-os de sobre os olhos.
– Que isso mãe, nada a ver. E se não se importa vou pro meu quarto, quero descansar um pouco.
– Tudo bem então. Vou sair, mas não demoro. Se precisar de alguma coisa me ligue ok!
O rapaz consentiu com a cabeça e subiu as escadas enquanto a mãe foi se arrumar e logo saiu. Decidiu, então, aproveitar o tempo sozinho para colocar os pensamentos em ordem e desceu para a sala onde ligou o rádio e se jogou no sofá relembrando os acontecimentos das últimas horas. Fazia tempo que não tinha um dia tão cheio e a tarde ainda teria que acompanhar a mãe na comemoração do aniversário, já que ela insistia que aniversario tinha que ter celebração. O pensamento o fez desaminar e acabou por virar para o canto e pegar no sono.
Sonhou que estava no parque e Rebecca corria em sua direção para abraçá-lo, mas as árvores a agarravam e erguiam-na do chão enquanto seus colegas tentavam matá-lo com tacos de sinuca. Na mesma hora o sonho mudou para uma sala escura onde olhos marrons e um sorriso lupino, se admiravam num espelho negro e luzidio que Adam tinha certeza de já ter visto antes.
Acordou com uma súbita sensação de calor percorrendo seu corpo e suor escorrendo de seu rosto, enquanto no quintal ao lado, o cachorro da vizinha latia e gania assustado. Levantou rapidamente e correu para a janela, bem a tempo de ver um vulto dourado e alado sobrevoar sua casa e desaparecer, seguindo em direção à reserva.
Afastou-se da janela, assustado, e foi até a cozinha tomar um copo de água. Será que estou ficando louco, ou tinha realmente um anjo vigiando minha casa, pensou, fechando as janelas e voltando para a sala a tempo de ouvir o cachorro da vizinha latir novamente, mas era só sua mãe chegando das compras.
– Abra a porta para mim filhote. Estou com as mãos ocupadas.
Foi até a porta, ainda ressabiado e abriu-a para a mãe, que sorriu e pediu ao filho para ajudá-la com as sacolas e depois guardar o carro da família, um velho Chevette prateado, que pertencera a seu pai. Quando voltou, a mãe já havia preparado a mesa e buscado seu presente, um Tablet de última geração que ele andava cobiçando há anos. Beijou-a agradecendo pelo presente e sentou-se junto à mesa para cortar o bolo.
– Parabéns filho! Mamãe se orgulha muito de você viu.
– Eu sei mãe – respondeu e abaixou os olhos, constrangido. Era típico de sua mãe tratá-lo como criança e talvez fosse pelo fato de ser filho único e ter perdido o pai muito cedo, mas agora já era um homem e gostaria de ser tratado como tal – Obrigado, mas...
– Nossa! – Disse a mãe se levantando – Você não tinha uma reunião na facul hoje à tarde? Vai se atrasar.
Adam remexeu-se desconfortavelmente na cadeira. Fora pego de surpresa pela lembrança da mãe e esquecera-se completamente da mentira que aplicara para tentar encontrar Rebecca na praça e precisou pensar numa desculpa rápido.
– Err... Não vai ter mais. Foi adiada. Ligaram-me enquanto eu almoçava com Rebecca.
– Ah! Que bom – disse a mãe aliviada – Assim poderemos comemorar seu aniversário com tranquilidade.
Adam concordou com a cabeça, ainda meio sem graça por ter mentido para a mãe e levantou-se para ajudá-la a servir o bolo.
Comeram e beberam refrigerante, enquanto Adam contava os detalhes do almoço e das perspectivas quanto a Rebecca. A mãe tentava ajuda-lo, lhe dando conselhos amorosos e dicas para conquistar o coração da garota.
Terminou a refeição e foi para seu quarto, passando todo o restante da tarde revendo seus artefatos e estudando os símbolos e já era noite quando desceu para o jantar. Sua mãe estava arrumando a mesa e servindo seu prato.
– Fiz frango assado com batatas para o jantar, sei que você adora.
Adam ia responder quando o telefone tocou na sala, sua mãe foi atender, o chamando logo em seguida.
– É Rebecca ligando da Universidade – e suspirou – Ela parece preocupada.
Adam correu a até a sala e pegou o telefone ansioso.
– Oi Rebecca, aconteceu alguma coisa?
Oi Adam, você precisa vir aqui na universidade, uma coisa estranha está acontecendo, não posso falar por telefone – falava apressadamente como se algo a estivesse perseguindo – venha o mais rápido que puder – e desligou.
– O que foi? – perguntou a mãe ao ver a cara de espanto do filho.
– Não sei. Rebecca disse que algo estava acontecendo na facul e que eu devia ir lá – respondeu ponderado – Parecia assustada.
– Então não deve ir sozinho. Chame a polícia primeiro. Pode ser perigoso.
– Se Rebecca quisesse a polícia ela mesma teria ligado ao invés de ligar para mim – e pensou por um instante analisando a situação – Não! É melhor eu mesmo ir ver o que está acontecendo, talvez seja só um mal entendido.
– E se não for? Você pode estar correndo perigo – disse a mãe aflita, torcendo as mãos.
– Se fosse algo muito grave ela não teria ligado para um cara que acabou de conhecer. Deve ser um problema relacionado à facul, talvez algo errado com sua matrícula. Eu disse à ela que tinha certa influência com a direção e deve ser por isso que me ligou – no fundo sabia que não era isso. Pelo pouco que a conhecia, sabia que Rebecca nunca pediria sua ajuda para algo tão banal e lembrou-se do sonho do ataque mágico perto da universidade, mas não podia dizer nada a mãe para não preocupá-la.
– Então vai filhote. Vou deixar a comida no forno e quando voltar você esquenta. Caso ela ainda não tenha jantado pode convidá-la também.
– Boa ideia mãe, melhor eu ir agora, quanto mais rápido for, mais rápido voltarei, e não quero deixar o frango com batatas esperando muito – sorriu tentando parecer tranquilo.
A mãe concordou e acompanhou o filho até a porta. Adam pensou em pedir o carro emprestado, mas sabia que se a coisa complicasse, o mesmo poderia ficar danificado e era o único meio de transporte que a mãe possuía para ir ao trabalho.
– Não quer ir de carro? – a mãe ofereceu lendo seus pensamentos.
– Não, mas obrigado. A senhora sabe como gosto de caminhar.
A mãe não teceu mais comentários, apenas acenou preocupada, desejando boa sorte ao filho. O rapaz retribuiu o aceno e pegou a estrada.
A faculdade não era longe, então não ia demorar muito mesmo indo a pé, porém o estranho telefonema da garota ainda o preocupava. Não podia deixar de compará-lo ao sonho que tivera a tarde e se tinha que enfrentar uma luta mágica, que fosse ao lado de Rebecca. Não sabia muito sobre os cabalistas, mas imaginava que eram poderosos. Magia divina, pensou. Estou louco para vê-la em ação.
Em poucos minutos chegou ao campus. O lugar estava todo às escuras e aparentava estar vazio. Será que cheguei tarde demais, pensou preocupado. Devia ter vindo mais depressa.
Adentrou ao local examinando tudo ao seu redor. Não havia vestígios de luta e o silêncio reinava absoluto. Passou pela secretaria e chegava ao corredor que dava acesso ao ginásio, quando viu um vulto passar por trás da caixa d’água e correr em direção ao refeitório.
– Ei! – Gritou e correu atrás do vulto ignorando os riscos.
Adam era rápido e logo começou a se aproximar, fazendo com que o vulto tentasse despista-lo, correndo em direção ao pátio da universidade, mas não havia onde se esconder e ele teve que continuar correndo, apesar de já estar perdendo o fôlego.
Entraram no pátio e Adam percebeu que o vulto era uma pessoa de aproximadamente 1,80 de altura, usando um capuz e uma capa preta. O estranho, ao perceber que não podia mais fugir, abriu a porta do refeitório e se escondeu e Adam teve que fazer uma parada para examinar a situação. Pode ser uma armadilha, mas se não entrar nunca saberei e Rebecca pode estar lá com ele, pensou. A situação tornara-se dramática e desesperadora e era preciso muita cautela para não cometer um deslize. Pensou em usar um rito para explodir ou incendiar a porta, mas poderia ferir Rebecca, e não havia nem um inseto por perto a quem pudesse pedir ajuda e mesmo que houvesse eles geralmente não o obedeciam. Poderia ameaçar pisar neles caso se recusassem, mas não havia garantias que depois de acertado o acordo eles cumpririam sua parte e uma vez fora de seu alcance nunca mais voltariam para lhe informar o que estava acontecendo e seria praticamente impossível descobrir o traidor depois, a maioria eram todos iguais. Não, preciso entrar, não há outro jeito.  
Verificou a porta e viu que não estava trancada. Seu coração estava a ponto de sair pela boca, mas prosseguiu, girando a maçaneta e abrindo a porta. Dentro do refeitório estava ainda mais escuro e parecia que até as janelas de vidro estavam cobertas. Entrou ressabiado esperando que a qualquer momento o sujeito do capuz ou algo pior pulasse sobre ele, mas nada aconteceu. De repente as luzes se acenderam e um coro de vozes alegres gritou.
– SURPRESA!
Adam não conseguia acreditar, era uma festa surpresa. Rebecca estava em frente à mesa de coquetéis segurando duas taças de champanhe e olhando para ele sorrindo. Estava ainda mais linda do que durante o almoço e usava um vestido azul, com um corte profundo na perna deixando a mostra seu belo par de coxas. O cabelo estava preso num coque atrás da cabeça e envolto por uma tiara também azul. Um batom claro realçava seus lábios e sombra azul sobre os olhos combinavam com o vestido. Atrás da mesa estavam seus amigos e conhecidos da facul e alguns professores também estavam presentes assim como o diretor. Rebecca se aproximou e estendeu a mão lhe oferecendo uma das taças.
– Parabéns Adam! Lhe desejo toda a felicidade do mundo.
Adam corou e esboçou um sorriso enquanto pegava a taça e tomava um gole. Rebecca o abraçou e lhe deu um beijo no rosto lhe desejando sucesso, enquanto os demais aplaudiam e davam gritinhos insinuando um romance.
O salão estava todo enfeitado, com balões e faixas de parabéns. As mesas e cadeiras haviam sido dispostas ao redor do salão, para liberar espaço, e apenas as que estavam com o bolo e aperitivos restaram no fundo preenchendo um pouco o vazio. Seus amigos começaram a se aproximar e a cumprimentá-lo, abraçando-o ou lhe dando um aperto de mão e, por último, veio o cara com a capa e o capuz preto que correra dele atraindo-o para a festa.
– Buuuuh! – exclamou seu amigo Willian tirando o capuz e rindo da cara de Adam – Te assustei não foi?
– Claro. Assustar-me-ia mesmo sem a capa e o capuz. Com essa cara de maníaco homicida.
O amigo riu e deu um abraço em Adam lhe desejando parabéns, depois voltou para a mesa e serviu uma bebida, retornando em seguida para o meio do salão e levantando a taça ao exclamar:
– Um brinde ao nosso aniversariante. O aluno mais aplicado da faculdade.
Todos levantaram as taças e beberam, depois o rapaz repetiu o gesto agora fazendo um brinde à Rebecca pela organização e todos beberam novamente.
– Tenho a impressão que só estão fazendo esses brindes para terem uma desculpa para beberem – disse o diretor se aproximando e cumprimentando Adam.
– É verdade senhor – respondeu o alquimista com um sorriso – mas acho que...
Não terminou a resposta, pois um dos alunos ligou o som e música eletrônica inundou o ambiente, provocando os alunos que gritaram de aprovação. Rebecca se desculpou com o diretor e arrastou Adam pelo salão onde começaram a dançar.  Logo outros alunos acompanharam o casal e até alguns professores mais jovens se arriscaram, seguindo os passinhos dos acadêmicos.
Dançaram por um tempo, com Adam inventando uns passos e requebrando, mas logo ficou cansado pela falta de costume e voltou para a mesa de coquetéis, com a amiga para comer alguma coisa.
Os amigos olhavam-no com admiração e inveja por estar com Rebecca sempre ao seu lado e até aqueles com os quais não tinha muita intimidade se aproximavam e lhe davam tapinhas nas costas lhe desejando parabéns pelo aniversário, mas dando a entender que lhes felicitavam pela garota que estava ao seu lado. Adam não se importava e desfilava com Rebecca de um lado a outro do salão, cumprimentando todos e distribuindo sorrisos.
Ficaram na festa até às três horas da madrugada, então se despediram e Adam agradeceu a presença de todos com um pequeno discurso. Alguns insistiram para que demorassem mais, mas Adam não quis. Estava cansado e Rebecca se dispôs a lhe dar uma carona já que havia bebido mais que o costume e estava meio zonzo. A moça, no entanto, parecia estar em perfeitas condições.
– Então até segunda pessoal. – disse se despedindo – E obrigado novamente.
Os amigos deram com a mão e logo voltaram a dançar e beber. O casal saiu pelo portão da frente e contornou a universidade, seguindo em direção à praça. Rebecca que até então caminhava ao seu lado pegou em seu braço e sorriu suspirando.
– E então, o que achou da festa?
– Achei ótima. Vocês me enganaram direitinho. Achei que alguma coisa ruim tinha acontecido pelo modo como você falou ao telefone.
– A ideia era essa. – disse a jovem sorrindo – Se dissesse outra coisa estragaria a surpresa.
– Pois é. Até minha mãe ficou preocupada. Por falar nisso ela vai me dar uma bronca por não ter ligado e tranquilizado ela depois.
– É mesmo coitada. Nem deve ter dormido direito.
Adam concordou com a cabeça e seguiram conversando. Contornaram a praça que ficava em frente ao campus e viraram a esquina entrando em uma rua escura que dava para o distrito industrial.
– Mudando da água para vinho; onde vocês esconderam os carros? – perguntou Adam estranhando o percurso.
– Deixamos estacionados atrás daquela estação ferroviária para que você não os visse – respondeu Rebecca apontando com o dedo – Seu amigo Willian que indicou o lugar. Disse que quando quer namorar escondido sempre deixa o carro lá.
 – O Willian me paga. Quase tive um ataque cardíaco correndo atrás dele com aquela capa preta e o capuz. Parecia uma versão escura do uniforme da Ku Klux Kan.
Rebecca riu e seguiram em direção ao carro que estava estacionado ao lado de um velho vagão. Ela desligou o alarme e entraram, tomando suas posições. Adam como sempre foi de carona e a moça arrancou tomando a direção da casa dele.
– Queria te contar uma coisa. – disse Adam de supetão.
– Diga. – respondeu Rebecca virando brevemente o rosto para encará-lo. Adam abaixou o olhar como se estivesse em dúvida se devia ou não falar sobre o acontecido.
– Fale logo homem. Quer me matar de curiosidade? – insistiu Rebecca brincando.
Adam ruborizou, mas decidiu contar já que havia começado.
– Não sei se você vai acreditar em mim, mas... – levantou o rosto e olhou para a moça com firmeza antes de continuar – acho que vi anjos rodeando a minha casa hoje. Sei que parece loucura, mas...
– Não. – respondeu Rebecca voltando a olhar para a estrada – Não é loucura. O movimento já começou Adam, então é normal que essas coisas aconteçam. Espero que... – parou antes de completar a frase para ultrapassar um fusca que segurava o trânsito na avenida. – Bem vamos conversar sobre isso outra hora. Pode ser? Se não me concentrar na estrada vou acabar cometendo uma barbeiragem.
Adam consentiu com a cabeça enquanto olhava de relance para Rebecca. A moça parecia mais quieta que o normal e ele achou que talvez a bebida estivesse finalmente fazendo efeito. Às vezes franzia a testa como se estivesse sentindo dor e parecia incomodada com alguma coisa.
Permaneceram em silêncio o resto do caminho e em poucos minutos chegaram à casa Adam, que não se aguentou mais de curiosidade e perguntou:
– Está tudo bem Rebecca? Você parece meio doente.
Desceu do carro e fechou a porta atrás de si enquanto a moça ponderava a resposta.
– Tudo bem – disse por fim enquanto abaixava os vidros do Corolla e o encarava – só estou menstruada, sabe como é.
– Ah! Normal. Minha mãe também fica incomodada quando está nesses dias. Tome um analgésico e durma um pouco. Vai melhorar!
– Pois é – disse a jovem de dentro do carro – Vou fazer isso. – e forçou um sorriso – Até mais Adam, foi muito divertido passar o dia com você. – e ligou o carro sem esperar resposta e desapareceu pela longa avenida escura, enquanto Adam entrava em casa e subia para seu quarto, lembrando que o frango com batatas de sua mãe teria que esperar até o almoço do dia seguinte.

Enquanto isso, do outro lado da cidade, num casebre em ruínas, uma idosa pegou o celular e tentou desesperadamente ligar para o neto, mas o aparelho apenas emitiu um ruído estranho antes de ser despedaçado por um forte punho dourado que a arremessou contra parede. A velha levantou os olhos e amaldiçoou os céus, até ser calada por uma espada reluzente que lhe atravessou o peito. 


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1 comentários:

Aninha disse...
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