PRÓLOGO
Dezoito anos atrás...
Era alta madrugada quando chegaram. O vento estava calmo e a noite serena
como as águas de um lago profundo, mas o velho sabia que a tranquilidade era
apenas aparente e que todo cuidado seria pouco ao adentrarem naquele lugar
desabitado há tanto tempo. Ouvira histórias, é claro, de outros aventureiros
que alegavam terem invadido o jardim e escapado ilesos da fúria do guardião,
mas percebia agora que não passavam de fábulas inventadas por charlatões. O
jardim era muito diferente de tudo que ouvira falar. Era mágico, exuberante e
sobrenatural!
– Aquela é a árvore? – perguntou o rapaz que o acompanhava, apontando com
o dedo para a árvore gigantesca que marcava o centro de uma clareira. Suas
folhas pareciam pequenos flocos de neve suspensos nos galhos retorcidos e os
frutos alaranjados, lembravam pequenas carambolas rechonchudas.
– Sim meu amigo – respondeu o velho emocionado – Aquela é a Árvore da
Vida. A dádiva da imortalidade concedida e, ao mesmo tempo, negada a nós pelo
Criador – e uma lágrima rolou de seus olhos, estampando a felicidade de alguém
que vê o sonho de uma vida inteira sendo realizado – O homem será imortal, como
já foi outrora meu rapaz, e o mundo conhecerá a verdadeira paz.
O jovem não parecia muito empolgado com o discurso do amigo, mas apressou
o passo, acompanhando o velho que seguia à frente. O caminhou terminou em uma
velha ponte em ruínas cercada por pilares de pedra branca, onde o rio era mais
volumoso e a forte correnteza castigava o que restou da antiga construção.
– Como vamos atravessar? – perguntou o rapaz examinando os destroços da
ponte – A correnteza é muito forte nessa curva.
– Não vamos atravessar – respondeu o velho olhando ao redor – Teríamos
que dar uma longa volta e o caminho mais curto é pela floresta. Veja se
consegue enxergar outra estrada adiante.
O rapaz correu em direção aos pilares
e subiu no mais alto para avaliar o horizonte e ver o que os aguardava logo à
frente.
– O que está vendo? – perguntou o velho – Algum outro caminho, ou algum
sinal da presença do guardião.
– Vejo apenas o fim da clareira – respondeu o rapaz – e alguns animais
grandes e estranhos, pastando na margem daquele rio mais caudaloso.
– São behemoths! – suspirou o velho comovido – Quase não acredito que
estamos tão próximos deles. São criaturas maravilhosas apesar da aparência.
Vamos tentar não perturbá-los.
O rapaz assentiu com a cabeça e continuou a observar os animais, que se pareciam
com búfalos, mas tinham chifres na cabeça e na carapaça que protegia o lombo e
narinas grandes e ruidosas. Seu rabo terminava num chicote, com três pontas de
ossos afiados e suas patas, fendidas como nos bovinos tradicionais, pareciam
pequenas e fracas frente ao corpo descomunal da criatura. Viviam em manadas a
beira dos rios, se alimentando da vegetação rasteira e mergulhando sempre que
um perigo ameaçava sua tranquilidade.
– Vamos continuar – disse o velho.
O rapaz pulou do pilar e o seguiu pela mata adentro, abrindo caminho por
entre plantas exóticas e pequenos arbustos de folhas coloridas.
A floresta era escura e barulhenta. O piado das aves noturnas lembrava um
lamento agonizante e os uivos dos animais selvagens tornavam o trajeto ainda
mais assustador, mas o velho parecia ignorar os perigos da jornada e seguia em
frente com determinação. Somente o rapaz não parecia satisfeito e se virava na
direção de cada barulho estranho que ouvia, não se cansando de resmungar.
– Tem certeza que o espelho funcionará? Se não conseguir afastar o
guardião da árvore eu estarei em sérios apuros.
– Vai funcionar – respondeu o velho – tem que funcionar...
O rapaz não pareceu muito convencido e se preparava para contra
argumentar, quando um lampejo repentino iluminou a floresta e afugentou um
enorme pássaro que se escondia entre galhos retorcidos de uma árvore próxima a
eles. A ziz voou sobre a clareira e deu um rasante sobre a margem do rio, capturando
um behemoth, enquanto o restante das criaturas lançava-se desordenadamente nas
águas.
O velho gritou instruções para seu companheiro e correu em direção à luz,
sacando um estranho objeto de sua mochila, enquanto o rapaz corria para a
clareira, de encontro à Árvore da Vida.
O que se passou a seguir foi uma curiosa sequência de acontecimentos. O
velho desapareceu na floresta e o foco de luz brilhante o seguiu, como se
atraído pelo objeto que ele carregava. O rapaz escalou habilmente a árvore e
colheu um dos frutos, mas sua atuação foi notada pela criatura lampejante, que
desistiu do velho e voou em sua direção como um raio em chamas. O rapaz saltou
ao perceber que fora descoberto e o velho reapareceu ao seu lado, ajudando-o a
se levantar.
Outro clarão se seguiu e um turbilhão de chamas irrompeu do lugar onde o
guardião caiu sobre eles e um grito agudo seguido por sons de passos em
disparada se misturou com os pios e uivos dos animais noturnos. A floresta se incendiou, instigada pelo
súbito vento forte que sucedeu o voo do guardião, sacudindo as árvores e levantando
uma nuvem de poeira no caminho. Do meio dela o velho surgiu desesperado
correndo em direção à saída do jardim. Suas roupas estavam sujas e esfarrapadas
e seu rosto, marcado de cicatrizes e fuligem, demonstrava cansaço e medo.
– John, onde você está? – gritou assustado, procurando pelo amigo – Não
morra, por favor! – e se escorou na velha ponte destruída, tentando recuperar o
fôlego.
Porém, novamente o vento se intensificou, varrendo areia e folhas pela estrada.
As aves noturnas interromperam seu canto lúgubre e até os animais selvagens
silenciaram. O velho olhou para trás assustado e tentou voltar a correr, mas uma
forte luz dourada surgiu em suas costas e uma espada de fogo atravessou seu
peito, liberando na noite um cheiro de carne queimada. O velho deu um passo
tremulante e caiu sobre a areia do caminho. A luz desapareceu e tudo voltou a
ficar escuro.
***
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