terça-feira, 16 de agosto de 2011

CAPÍTULO X


O PLANO


Rebecca acordou no hospital se perguntando como chegara até ali. Lembrava-se da árvore à levantando do chão, do medo, do desespero e depois a queda. Quebrara algumas costelas, mas por sorte estava próxima ao solo quando o carvalho a soltou, se estivesse na copa provavelmente não teria sobrevivido ao tombo e agora estaria num caixão ao invés de em um hospital. Pelo menos nesse caso não estaria com tanta dor, pensou.
Levantou-se amparada a cama e tentou andar, mas estava muito fraca e teve que sentar e se escorar na cabeceira para não cair. Um relâmpago rasgou o céu e iluminou o quarto fazendo com que aflorasse lembranças da fuga no dia anterior. As imagens eram vagas e confusas, mas se lembrava que estava chovendo e chovendo muito, o que era bom considerando o incêndio que Adam havia causado no parque. Por que começou a chover? Pensou. O céu estava limpo, sem nenhum sinal de nuvens no momento da batalha, mas depois, de alguma forma, o tempo mudara radicalmente e começara o temporal, fato que perdurava até o presente momento. Porém, a dúvida persistia na cabeça da cabalista – teria sido coincidência, ou a chuvarada havia sido provocada? Depois de ter visto um ranger em ação, controlando as árvores do parque, ela não duvidava de mais nada.
Mais um relâmpago iluminou o quarto e Rebecca tentou levantar-se novamente, mas dessa vez a mãe de Adam – dona Rute – adentrou o quarto nervosa e a enxotou para a cama.
– Nem pense em levantar mocinha, você está muito ferida. E aproveite que acordou e me conte o que aconteceu. Nenhuma mãe merece a aflição de encontrar um filho estropiado e ninguém para dar uma notícia do que possa ter acontecido.
 – Adam ainda não acordou? – perguntou Rebecca surpresa.
– Não! Não acordou e não mude de assunto. O que aconteceu para vocês chegarem naquela situação? Adam mal teve forças para chegar até a porta. Se eu não estivesse em casa para trazer vocês correndo para o hospital, não sei o que poderia ter acontecido.
Rebecca sentiu-se embaraçada. Não sabia se jogava limpo e falava toda a verdade para a mãe de Adam, ou inventava um desculpa e deixava para o alquimista a decisão de abrir o jogo. Por fim decidiu passar a batata quente para ele e, por hora, inventar uma desculpa.
– Um incêndio nos pegou no parque. Estávamos fazendo um piquenique e ouvimos o barulho e os gritos das outras pessoas. Adam tentou correr para ver o que estava acontecendo, mas o fogo nos cercou e ficamos rodeados pelas chamas. Nossa única alternativa foi subir na copa de uma arvore e esperar pelo socorro, mas infelizmente a arvore não resistiu as labaredas e cedeu. Tentei pular e correr para o lago, mas cai de mau jeito e quebrei algumas costelas, enquanto Adam literalmente caiu no meio do fogo, não sei como ele conseguiu sair e ainda me ajudar a escapar, deve ter sido um esforço sobre humano.
Dona Rute aparentemente não desconfiou da mentira e parecia comovida com o esforço e o heroísmo do filho. Rebecca se preparava para acrescentar mais detalhes e tornar a estória mais verídica quando uma enfermeira entrou no quarto e encarou dona Rute.
– Seu filho acordou senhora.
A mãe de Adam não se conteve de felicidade e saiu pela porta, agradecendo a Deus e deixando Rebecca a sós com a enfermeira.
– Será que você poderia me ajudar a chegar ao quarto dele. Também gostaria muito de vê-lo – pediu Rebecca tentando se levantar.
A enfermeira trouxe uma cadeira de rodas e levou Rebecca pelos corredores até o quarto de Adam. O alquimista estava realmente acordado e tentava despreocupar a mãe.
– Não foi nada de mais mãe. Não tinha por que ficar tão preocupada.
– Que não tinha o quê. Você chegou em casa parecendo um zumbi e não queria que eu me preocupasse!?
– Olá – disse Rebecca entrando pela porta e interrompendo.
– Rebecca! – disse Adam se sentando na cama – Que bom que você está bem. Ninguém queria me dar informações e eu estava preocupado.
– Apenas algumas costelas quebradas, nada mais. E você com está?
– Acho que estou melhor que você. O médico disse que não quebrei nada e em alguns dias estarei pronto para outra.
Rebecca riu apesar da dor que sentia nas costelas, mas a mãe de Adam não achou graça.
– Não há nada de engraçado nisso crianças. Vocês poderiam ter morrido. Rebecca me contou como você saltou no meio do fogo para resgatá-la quando ela caiu da arvore e a levou até em casa, mesmo também estando machucado.
Adam olhou curioso para Rebecca, pensando no que a cabalista teria inventado para sua mãe. A garota sorriu um sorriso amarelo e piscou para o rapaz.
– Achei que sua mãe merecia saber.
– Err... É claro – respondeu Adam – Fiz o que qualquer um teria feito. Era necessário e... urgente.
Dona Rute entendeu apesar de pedir ao filho que fosse mais cuidadoso. Adam concordou e a mãe começou um discurso de que só tinha ele no mundo e não saberia o que fazer se algo grave lhe acontecesse. Isso deixou o rapaz ainda mais preocupado. Não esquecera o ataque que sofrera no parque e se aquele estranho grupo voltasse a atacar, sua mãe poderia sofrer as consequências.
– Quando vou receber alta – perguntou se levantando e calçando os chinelos – Já estou bem. Posso voltar para casa.
– O médico ainda não decidiu – respondeu dona Rute – mas acredito que, se tudo correr bem, amanhã já poderá ir pra casa.
– Também quero ir – disse Rebecca – detesto hospital e já estou boa também.
– Acho que você terá que permanecer um pouco mais querida. Seu caso é mais grave – respondeu dona Rute desanimando a cabalista.
A enfermeira concordou em deixar Rebecca no mesmo quarto de Adam, desde que dona Rute permanecesse com eles, então o restante do dia acabou sendo mais divertido. Conversaram bastante, apesar de não citarem nada referente à magia, e reclamaram juntos da comida do hospital. No horário de visita, Willian e Lisa, acompanhados de um grupo de amigos, foram visitar o casal e levaram salgadinhos e refrigerantes, fazendo uma verdadeira festa no hospital, apesar dos protestos de dona Rute. À noite, no telejornal local, o apresentador deu a noticia do incêndio no parque e invocou a divina providencia como resposta para a chuva que caiu durante todo o dia.
O fogo, que começou de forma misteriosa, se alastrou por toda a extensão do parque, queimando as arvores e os quiosques que se encontravam no caminho. As autoridades suspeitam que tudo possa ter acontecido devido a um descuido dos visitantes, provavelmente uma bituca de cigarro ou uma fogueira mal apagada. O corpo de bombeiros esteve no local, mas a chuva, que providenciosamente começara logo depois do incêndio, já havia apagados as chamas.
Adam e Rebecca se entreolharam enquanto dona Rute assistia atônita, o desenrolar dos acontecimentos.
Não vimos como começou – dizia um cidadão entrevistado – De repente as árvores estavam pegando fogo e depois tudo ficou escuro e começou a chover. Foi Deus, com certeza.
As noticias seguiram nos outros telejornais. Cada um enfatizando, a seu modo, a maneira como o incêndio magicamente foi controlado. Dona Rute trocava avidamente de canal, procurando uma reportagem que lhe desse mais detalhes e só desanimou e desligou a TV quando o último noticiário chegou ao fim.
Os três pousaram no mesmo apartamento e no outro dia, bem cedo, o médico chegou para dar alta para Adam e transferir Rebecca novamente para seu quarto. A moça tentou convencê-lo a lhe dar alta também, mas o doutor insistiu que ela ficasse mais um dia e ela acabou aceitando. Adam foi visitá-la no dia seguinte, mesmo estando preocupado em deixar a mãe desprotegida. Dona Rute não pode acompanhá-lo já que havia faltado dois dias no serviço e precisava recuperar o tempo perdido, mesmo assim mandou lembranças a Rebecca e votos de melhoras. Os amigos também voltaram e repetiram a festinha do dia anterior, agora mais ousados, sem a presença de dona Rute para freá-los.
No outro dia Rebecca recebeu alta e Adam foi buscá-la no hospital com o carro da mãe. Apesar de saber que o alvo dos agressores era ele, também temia por Rebecca e insistiu para que ela ficasse um tempo em sua casa, até estar totalmente recuperada.
– Não precisa esquentar a cabeça comigo Adam – disse Rebecca entrando no carro – Sei cuidar de mim mesma. Se eles voltarem a nos importunar vão ter uma grande surpresa. Não se preocupe – mas Adam insistiu e a moça acabou aceitando.
– Ok então. Mas só até eu estar completamente recuperada.
Dona Rute, que sugerira a idéia à Adam, recebeu Rebecca de braços abertos e arrumou um quarto, ao lado do seu, para Rebecca dormir.
– A casa não é luxuosa, mas tem bastante espaço – disse dona Rute indicando o quarto a Rebecca – Pode se acomodar aqui e se precisar de alguma coisa, não hesite em me chamar.
– Obrigado dona Rute. A senhora não existe.
Dona Rute sorriu e gesticulou como se aquilo não fosse nada de mais e saiu, voltando para a cozinha para preparar o café. Teria que partir em seguida para o trabalho e queria deixar tudo preparado para o café e almoço do casal. Quando terminou, subiu ao quarto de Adam e se despediu do filho, sugerindo que ele convidasse Rebecca para o café e depois a levasse para passear nos jardins, no fundo do casarão.
O café foi tranquilo, com Adam excedendo o cavalheirismo com Rebecca, a ponto de querer passar manteiga no pão e dar-lhe de comer na boca.
– Não estou aleijada Adam – disse Rebecca sorrindo – posso muito bem comer sozinha.
Adam se desculpou e se preparava para convidá-la para passear no jardim quando a campainha tocou, desviando a atenção do alquimista para a porta. Apesar de gostar da companhia dos amigos, pretendia passar algum tempo sozinho com Rebecca e uma visita àquela hora poria tudo a perder. Saiu da cozinha e foi até a porta pensando numa desculpa para despachar os colegas, mas, para sua surpresa, não eram seus amigos da faculdade. Um rapaz loiro e de olhos verdes, olhava para o olho mágico da porta, tentando enxergar algo em seu interior e tocava novamente a campainha, enquanto a jovem ao se lado, de longos cabelos prateados, puxava seu braço e ria da curiosidade do namorado.
– O que vocês querem aqui? – perguntou Adam abrindo a porta de supetão.
A forma como Adam os recepcionou pegou o casal de surpresa e ambos pularam para trás sobressaltados. Wesley tentou balbuciar alguma coisa, mas Mariah tomou a iniciativa e encarou Adam, dando um passo a frente.
– Acalme-se alquimista. Viemos em paz.
– Paz! – fungou Adam exaltado – depois do que vocês fizeram a mim e a Rebecca no parque.
– Tivemos nossos motivos – retrucou Wesley pegando na cintura de Mariah – E é sobre isso que queremos falar com você. Podemos entrar?
– Não! Não podem – respondeu Adam irritado – Não me importam seus motivos. Nada justifica uma agressão como aquela.
Wesley suspirou e Mariah voltou a tomar a frente.
– Se você não sabe, eu salvei sua vida. A sua e a daquela garota judia. Thomas teria matado ambos se eu não tivesse interferido.
– Ah! Muito Obrigado! – respondeu Adam indignado – Mas eu estava indo muito bem sem sua ajuda. Por pouco meu ataque não os acertou em cheio, e eu ainda tinha muitos truques na manga.
– Há! – exclamou Mariah – A única coisa que você conseguiu foi colocar fogo no bosque. Thomas acabaria com você em minutos se a luta continuasse, e sua amiga não lhe seria de grande ajuda se Wesley tivesse atendido ao pedido de Thomas e a empalado nos galhos das árvores.
Wesley passou a mão no cabelo impaciente e puxou Mariah pelo braço.
– Esqueça amor! Essa discussão não vai levar a lugar nenhum e esta claro que o alquimista não esta disposto a negociar. Vamos deixar tudo nas mãos de Thomas mesmo, como ele queria. Não devíamos ter nos intrometido. Não tínhamos nada a ver com essa busca pela árvore da vida.
– Como é? – perguntou Rebecca aparecendo atrás de Adam e se intrometendo na conversa. Vocês também estão em busca da árvore da vida? Quem são vocês?
– Sou Wesley Green – respondeu Wesley – e minha namorada é Mariah White. Estamos acompanhando meu primo Thomas nessa jornada, mas antes precisamos dos artefatos do nosso avô, que o avô desse aí roubou.
– Meu avô não roubou nada – respondeu Adam erguendo o tom de voz – Todos os artefatos que ele me deixou lhe pertenciam. Ele os encontrou em suas andanças pelo mundo e os marcou com suas iniciais. Todos, exceto o mapa que tinha as inicias... Como é o nome do seu avô?
– Jonatas Black – respondeu Wesley – ele assinava com um JB no final das páginas e tenho certeza que você tem artefatos dele. Thomas não mentiria.
– Temos alguma coisa – respondeu Rebecca cortando Adam – Entrem. Vamos conversar lá dentro.
Adam liberou a passagem a contragosto e seguiu o casal que acompanhava a cabalista até a sala. Sentaram-se e Rebecca começou a especular sobre o parentesco deles com o necromante Jonatas Black.
– Jonatas Black era nosso avô, então Thomas e eu somos primos  – disse Wesley – Minha mãe é irmã do pai dele, por isso ele é um necromante e eu um ranger, como meu pai. Quando ele morreu, há dezoito anos, Thomas ainda era um bebe, mas cresceu seguindo os passos do avô e, apesar de seus pais não quererem, tomou para si a tarefa de completar sua missão e resgatar o fruto da árvore da vida. Ele sempre foi obstinado e, apesar do jeitão de carrasco, é uma boa pessoa. Tenho certeza que depois de ouvirem nossa história, vocês entenderão:
Thomas sempre foi o exemplo típico de necromante: esperto, curioso, inteligente e ousado. Entrou no circulo negro com apenas cinco anos e, mesmo não tendo domínio da magia, já se destacava entre os outros meninos. Com quatorze registrou uma canção no livro negro e com dezessete já estava formando. Depois permaneceu mais dois anos no circulo, trabalhando como monitor e ajudando os novatos a se adaptarem.
Os Black, ao contrario dos Night, não são uma família rica e só com muito esforço, seus pais conseguiram pagar sua permanência no círculo.
 Seu pai – Edmund Black – era muito rígido e sempre exigiu de seu filho as melhores notas, por outro lado, sua mãe sempre o incentivava e sempre foi um amor de pessoa. Ela ficou muito triste quando ele decidiu deixar sua cidade natal e sair pelo mundo em busca do fruto, mas acabou aceitando a decisão do filho.
A busca pela árvore da vida era tabu entre os necromantes desde que Jonatas Black desapareceu em sua caça e surgiram rumores de que um alquimista, seu amigo, teria usurpado seus artefatos e dado cabo de sua vida. Thomas não tocava nesse assunto, mas a partir da “passagem” de seu pai – que não aprovava a vontade de Thomas de se envolver com esse tipo de aventura e nem queria ver o nome da família metido em confusões com outras classes – começou a buscar informações sobre o caso e, com o acesso aos arquivos que tinha conquistado como monitor, encontrou os registros da época com o nome, localização e estado civil do alquimista que tinha desgraçado seu avô. Com esses dados em mãos, buscou, com um ancião do círculo que lhe tinha apreço, a situação atual do acontecimento e descobriu que o alquimista já estava morto desde a tentativa frustrada de invasão do jardim, mas que, antes de morrer, enviara os artefatos de Jonatas para seu filho, hoje também falecido, e que agora estavam em poder de seu neto – Adam Ocher – um alquimista sem grande projeção. Ele jurou reavê-los e terminar o serviço do avô, regatando o fruto da árvore da vida e liderando a resistência da humanidade na batalha do apocalipse.
Quanto a mim, cresci sob a sombra de Thomas e, sempre que seus pais iam nos visitar, falavam sobre seus feitos e os planos que tinham para ele no futuro. Thomas por sua vez, não comentava os projetos de seu pai e sempre mantinha a discrição quanto ao seu futuro. Eu o admirava muito, não apenas pelo prestigio e capacidade, mas também pela pessoa que ele era. Sempre me defendia dos outros garotos e, apesar de eu ser um ranger, me tratava como um igual e não deixava os outros necromantes zombarem de mim. Porém, ao mesmo tempo em que era legal, também era muito exigente e não aceitava sinais de fraqueza e me repreendia quando eu agia de maneira covarde. Mesmo assim éramos felizes. Brincávamos nas ruas e nas praças, imitando personagens famosos do passado e, quando saíamos de férias, Thomas me convidava para uma aventura e sempre assumia a culpa quando nos envolvíamos em confusão, que era quase sempre.
Meu pai era um ranger não praticante e levava a vida sem se preocupar com o amanhã, sendo assim, todo meu incentivo veio de minha mãe e da família de Thomas e por pouco não me tornei um bastardo12, mas quando a magia aflorou em mim, no início da adolescência, senti o apelo da natureza e deixei de lado todas as minhas pretensões necromantes.
Frequentei o Círculo Verde, mas nunca fui um discípulo muito aplicado, mesmo assim Thomas me chamou ajudá-lo quando decidiu iniciar sua jornada e eu, querendo mostrar a todos que não era o desqualificado que todos pensavam, aceitei.
No caminho para cá, conhecemos Mariah e foi a melhor coisa que me aconteceu. Ela aceitou vir conosco e nos ajudar e, quando tudo isso acabar, pretendemos nos casar. 
Wesley terminou o relato beijando as mãos de Mariah, que afagou seu cabelo e levantou seu rosto, dando-lhe um selinho. Rebecca acompanhava tudo interessada, enquanto Adam resmungava em seu canto, carrancudo. Não gostava da maneira como o ranger falara de seu avô e gostava ainda menos de ter um concorrente na busca pelo fruto imortal. A cabalista parecia não se importar com os muxoxos de Adam e começou a indagar se eles conheciam a rota para chegar ao jardim e os perigos que enfrentariam.
– Estamos cientes dos perigos – respondeu Wesley – mas não conhecemos bem o terreno. Thomas diz que assim que recuperarmos o mapa poderemos nos situar, porém, antes temos que descobrir uma maneira de decifrar os manuscritos e encontrar o artefato que abre o portão. Sem eles o mapa não serve para nada.
– Então temos muita coisa para pesquisar – disse Rebecca – Mas para isso temos que nos ver com certa frequência. Onde vocês estão hospedados?
– Estamos no hotel Royale – respondeu Wesley – mas Thomas quer fechar a conta. Está ficando muito caro manter os quartos e temos que economizar para a viagem até o Iraque.
Rebecca olhou para Adam esperançosa, mas o alquimista retribuiu com frieza no olhar.
– Aqui não podem ficar – respondeu – Minha mãe nunca permitiria e também não podemos bancar os custos. Eu não trabalho e minha mãe não ganha o suficiente.
– Eu poderia ajudar – disse Rebecca – tenho algumas economias e posso pedir ajuda a meus avós se as coisas complicarem, mas a decisão é sua Adam.
– Não será necessário – interveio Wesley percebendo a má vontade de Adam – Vamos dar um jeito. Qualquer coisa montamos acampamento no campo.
– A CASA DE SUA AVÓ! – disse Rebecca como os olhos brilhando – Ela é perfeita. Longe da cidade, tranquilo e só você tem acesso. Eles podem ficar lá. Poderemos visitá-los sempre que precisarmos e ninguém desconfiará de nada. Afinal, o terreno é seu agora.
Adam não gostou da idéia. Não queria profanar o lar de seus avós com pessoas que eles não conhecessem, mas sabia que precisaria da ajuda de Rebecca e dos outros se quisesse  ter êxito em sua missão, então aceitou. Mariah parecia feliz e Wesley acertou os detalhes com Rebecca e tentou cumprimentar Adam, mas ele virou as costas e voltou para o quarto. Rebecca o procurou minutos depois e disse que combinou de pega-los às dezenove horas, em frente ao hotel onde estavam e levá-los até a cabana na chácara e queria saber se Adam a acompanharia.
– Vou sim. Pode deixar, mas precisamos arrumar um desculpa para minha mãe. Ele já vai estar em casa nesse horário e não vai gostar de nos ver saindo.
– Pode deixar que tenho um plano – completou a cabalista sorrindo maliciosamente.
No horário marcado. Rebecca inventou para a mãe de Adam que sentira algumas dores nas costas e pedira para Adam levá-la ao pronto-socorro para fazer alguns exames e verificar se estava tudo em ordem. Dona Rute aceitou a historia, mas pediu que ela levasse Rebecca, pois Adam ainda não estava totalmente recuperado.
– Não se preocupe mãe. Estou ótimo e o carro de Rebecca é muito fácil de dirigir. Vai sair tudo bem.
– Ok então filho, mas tome cuidado e qualquer coisa me ligue ok. Rebecca prometa que o fará ligar.
Rebecca concordou e saíram para buscar os novos companheiros no local marcado. Thomas estava de pé, ao lado da porta do hotel e reclamava de alguma coisa. Wesley e Mariah estavam sentados nas malas e pareciam entediados com o protesto do colega. Quando viram o carro de Rebecca se aproximando, levantaram-se e foram esperá-los na beira da rua, com exceção do necromante, que permaneceu onde estava.
– Chegamos! – disse Rebecca estacionando e descendo do carro – Olá Mariah, Wesley e olá para você também Thomas. Apesar de nosso primeiro encontro não ter sido muito amistoso, espero que sejamos bons amigos daqui para frente.
– Hã! – resmungou Thomas – Não tenho intenção nenhuma de ser seu amigo cabalista e muito menos desse seu amigo mauricinho cheirando a leite. Só aceitei essa parceria porque meu primo insistiu que essa era a única maneira de conseguir os artefatos discretamente e seguir com a missão, mas não pensem que esqueci o episódio do parque. Ainda vai me pagar por aquilo alquimista – e pegou sua mala e jogou de qualquer jeito no porta-malas do Corolla.
Por um momento Rebecca parecia que ia protestar, mas apenas balançou a cabeça e foi dar um abraço em Wesley e um beijo em Mariah. Adam que não desceu do carro, encarou Thomas como que o desafiando a se vingar, mas o necromante se virou, ignorando-o e entrou no carro, sentando-se atrás do banco do motorista. Wesley e Mariah o seguiram após guardar as malas e logo estavam a caminho do sítio. Thomas e Adam permaneceram o tempo todo em silencio, mas Wesley e Mariah conversaram com Rebecca, contando, em detalhes, como resolveram a situação no parque depois que eles saíram.
– Não tínhamos muito tempo, então tivemos que improvisar – disse Mariah olhando para Rebecca – Thomas teve que repetir o rito e afetar a mente de todos que estavam ali, para que pensassem que o incêndio foi acidental e Wesley invocou o temporal para apagar as chamas. No fim deu tudo certo, mas tivemos que fugir rapidamente para evitar ter que dar explicações. Thomas estava com medo que déssemos uma bola fora e colocássemos tudo a perder.
– Não foi fácil realizar o rito da chuva, depois do esforço que tive com as arvores. Eu estava muito cansado e canções de nível III exigem muito do mago. Por sorte Mariah estava comigo e me ajudou com a recuperação. Ela é uma druidisa sabiam? – e começou a contar a história de Mariah e sua madrasta na fazenda, durante todo o percurso até a cabana.
Ao chegar, desceram do carro e foram se instalar. Thomas reclamou de tudo e ameaçou abandoná-los e acampar no terreiro, mas no fim acabou ficando ali mesmo. Se auto intitulando “líder da equipe”, reclamou a cama dos avós de Adam para si e colocou Wesley e Mariah para dormir no chão. Após algumas horas de discussões e arrumações conseguiram colocar alguma ordem no barraco e Adam e Rebecca voltaram para casa. Estavam cansados pelo dia cheio e ainda não estavam totalmente recuperados das lesões que sofreram no parque, por isso, foram dormir assim que chegaram.
No outro dia, inventaram uma desculpa para a mãe de Adam e voltaram a cabana onde o restante do grupo estava instalado. Thomas estava no campo, cultivando algumas hortaliças e Wesley e Mariah jogavam um jogo de tabuleiro, parecido com uma mistura de xadrez e gamão.
– Chama-se Elementares Adam – disse Wesley – É um jogo muito comum entre os magos. O objetivo é destruir as quatro peças principais do adversário e ao mesmo tempo, impedir que ele destrua as suas. Vamos jogar uma partida que eu lhe ensino.
Adam sentou e logo se enturmou com o restante do pessoal. O jogo era divertido e exigia estratégia, mas apesar de todo seu esforço intelectual, foi esmagado por Wesley, que ganhou todas as partidas sem muito esforço. Vendo que não tinha chance como o ranger, Adam decidiu desafiar Mariah, mas também levou uma surra, então só lhe restou desafiar Rebecca, mas desistiu, assim que assistiu a uma partida da cabalista contra Wesley. Rebecca ganhou facilmente e não perdeu nenhuma das peças principais, enquanto Wesley se esforçava para não ser tremendamente humilhado.
Thomas chegou pouco tempo depois. Estava suado e havia tirado a camisa, exibindo o tórax definido, mas parecia constrangido e se desviou para os fundos quando reparou que tinha visitas. Rebeca se levantava para ir ao banheiro quando reparou no estranho colar em seu pescoço. Era uma lua minguante negro-arroxeada e circundava uma caveira da mesma cor. Na ponta da lua havia um orifício do qual passava uma corrente de prata que envolvia o pescoço do necromante. Adam, que acabava de perder mais uma partida, dessa vez para Mariah, percebeu o interesse de Rebecca por Thomas e sentiu uma pontinha de ciúme. Resolveu então desafiar Thomas para uma partida, mas o necromante não aceitou.
– Você não daria nem para o começo Ocher – zombou Thomas – Fui o melhor do meu circulo e ganhei todos os torneios que participei. E no mais, pelo que vi, você não ganharia nem de um inapto com deficiência mental.
Adam se levantou furioso, mas o necromante lhe deu as costas e se dirigiu ao banheiro para tomar um banho, porém Rebecca estava lá e ele teve que esperar.
– Não ligue para o que o Thomas diz – disse Mariah baixinho – Ele não fala por mal. É só o jeito dele.
– Ele é um metido, isso sim – protestou Adam – um dia ainda tiro aquele sorriso zombeteiro da cara dele.
– O papo está muito bom, mas não viemos aqui para jogar, não é Adam – disse Rebecca voltando do banheiro – Temos que discutir um plano para levar a cabo nossa pretensão. Se vamos partir dentro em breve, temos que deixar tudo preparado.
– Thomas já tem um plano – acudiu Wesley – Assim que ele voltar discutiremos.
Thomas voltou em seguida, limpo e vestido e tomou lugar ao lado de Wesley, formando um circulo em volta da mesa. Mariah, que tinha terminado uma partida com Rebecca, foi até a geladeira e voltou com uma jarra de bebida, distribuindo entre os presentes. O cheiro era bom, mas o gosto forte indicava que possuía uma grande concentração de álcool.
Thomas tomou um gole e pediu para ver os artefatos que possuíam e Adam os mostrou, meio a contragosto. Ele examinou a todos, se demorando um pouco no mapa de seu avô e por fim perguntou pelo espelho, ao notar que possuíam apenas a foto.
– Não está comigo – respondeu Adam – só tinha essa foto no baú.
– Esse é o museu de Londres – disse Mariah pegando a foto das mãos de Thomas – Já estive lá com meu pai a tempos atrás. Mas porque o espelho está lá, ao invés de junto como os outros artefatos.
– Não faço a mínima idéia – respondeu Adam – Meu avô não chegou a voltar do jardim. Os artefatos foram enviados para minha avó por um tal de John Brow. Ele deve ter ficado com o espelho e vendido para o Museu. Fiquei sabendo que era um ladino, e ladinos não aguentam ver dinheiro.
– John Brow morreu pouco tempo depois que seus avós – emendou Rebecca – Mas sei que ele tinha um filho. Deve ter sido ele que vendeu o artefato ao museu, se é que foi isso mesmo que aconteceu.
– De qualquer forma precisamos do espelho – disse Thomas tomando mais um copo do coquetel – Sem ele não poderemos prosseguir para o Iraque.
– Talvez possamos comprá-lo – sugeriu Mariah – ainda temos algum dinheiro guardado.
– Sem chance – retrucou Thomas – Precisamos do dinheiro para nos mantermos no Iraque enquanto buscamos o jardim e não temos nem idéia de quanto tempo isso demorará.
– Qual é o seu plano então? – perguntou Rebecca se mexendo no banquinho e encarando Thomas.
– Meu plano é tomar o museu e roubar o espelho, substituindo-o por uma cópia – começou Thomas – O alquimista deve ser capaz de fazer uma com a oferenda adequada. Com a cópia em mãos, invadimos a casa do guarda da recepção e o colocamos sobre nosso domínio. Teremos que escolher um horário em que ele esteja sozinho para não chamar atenção. Depois, á noite, introduzimos Rebecca no museu e deixamos todos os outros guardas inconscientes. Vamos usar Rebecca porque ela consegue se virar apenas como sua energia vital e não temos muito material de oferenda, por isso é bom não arriscarmos. Com os guardas dominados o caminho fica livre para nós. Ainda tenho algum osso guardado que deve servir para o começo e não estou com disposição para invadir cemitérios e violar túmulos por isso temos que acertar de primeira. Mariah ficará de vigia, enquanto Wesley invocará um nevoeiro para nos acobertar, em Londres isso não deve causar surpresa. Adam provocará um curto na central de segurança e então eu invado a sala do espelho e o substituo pela cópia, a segurança dele não deve ser muito grande já que não é um objeto de valor. Apagamos a memória recente do guarda e caímos fora. Em meia hora devemos estar de volta ao hotel como o espelho em mãos.
– Eu vou com você até o espelho – disse Adam interrompendo – para o caso de precisar de ajuda.
– Cairá um pedaço do céu antes que eu precise de sua ajuda para pegar um espelho – respondeu Thomas bebendo novamente – Cuide das câmeras e já estará ajudando bastante.
– Eu insisto – respondeu Adam calmamente – Quem garante que você não fugirá com o espelho quanto o tiver em mãos.
– Há! Sabia que era esse o motivo – zombou Thomas – Se eu quisesse fugir com o artefato, não seria você que me impediria, mas tudo bem, quem sabe você não serve para algo afinal.
– Não acho certo roubarmos o museu – disse Rebecca por fim – deve haver outro meio de conseguirmos o espelho. Talvez se pedíssemos eles nos emprestariam por um tempo. Como você disse, não é um objeto de valor e provavelmente não lhe dão a importância devida. Ou talvez possamos alugá-lo por um tempo. Dizemos que é para uma exposição ou algo assim. Pode dar certo.
– Nem pensar – retrucou Thomas – Com certeza nos rejeitariam e poderiam até aumentar a segurança como medo de nós o roubarmos depois da recusa. Não vamos arriscar. Roubamos e substituímos por uma cópia e ponto final. Eles não vão perceber mesmo. Não conhecem o verdadeiro poder do artefato.
– Ainda acho errado roubar – concluiu Rebecca – deve haver outra maneira.
– Escute aqui cabala. Essa é uma missão essencial para nossa demanda e se você não esta disposta a cometer atos ilegais, melhor nem participar. Só iria nos atrapalhar e já temos problemas o bastante sem uma patricinha com encargo de consciência.
– Não fale assim com Rebecca – ameaçou Adam – Eu também não acho certo roubar.
– Isso vale para você também alquimista. Aliás, vale para todos. Se não estiverem dispostos a arriscar tudo e entrar de cabeça nessa incumbência, melhor ficarem aqui onde é seguro. Essa não é uma missão para covardes.
Adam ia retrucar, mas Rebecca o calou com um olhar. Voltaram a discutir a missão e calcularam o tempo para os preparativos, decidindo que partiriam dentro de um mês. Rebecca não parecia muito entusiasmada, mas aceitou as condições e terminaram o dia com uma partida de Elementares entre Thomas e Rebecca que, de maneira inesperada, e após duas horas de disputa, chegou ao final, conclamando à vencedora e pondo fim a invencibilidade do necromante.

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