O PLANO
Rebecca acordou no hospital se perguntando como chegara até ali. Lembrava-se
da árvore à levantando do chão, do medo, do desespero e depois a queda.
Quebrara algumas costelas, mas por sorte estava próxima ao solo quando o
carvalho a soltou, se estivesse na copa provavelmente não teria sobrevivido ao
tombo e agora estaria num caixão ao invés de em um hospital. Pelo menos nesse caso não estaria com tanta
dor, pensou.
Levantou-se amparada a cama e tentou andar, mas estava muito fraca e teve
que sentar e se escorar na cabeceira para não cair. Um relâmpago rasgou o céu e
iluminou o quarto fazendo com que aflorasse lembranças da fuga no dia anterior.
As imagens eram vagas e confusas, mas se lembrava que estava chovendo e
chovendo muito, o que era bom considerando o incêndio que Adam havia causado no
parque. Por que começou a chover? Pensou.
O céu estava limpo, sem nenhum sinal de nuvens no momento da batalha, mas
depois, de alguma forma, o tempo mudara radicalmente e começara o temporal,
fato que perdurava até o presente momento. Porém, a dúvida persistia na cabeça
da cabalista – teria sido coincidência,
ou a chuvarada havia sido provocada?
Depois de ter visto um ranger em ação, controlando as árvores do parque, ela
não duvidava de mais nada.
Mais um relâmpago iluminou o quarto e Rebecca tentou levantar-se
novamente, mas dessa vez a mãe de Adam – dona Rute – adentrou o quarto nervosa
e a enxotou para a cama.
– Nem pense em levantar mocinha, você está muito ferida. E aproveite que
acordou e me conte o que aconteceu. Nenhuma mãe merece a aflição de encontrar
um filho estropiado e ninguém para dar uma notícia do que possa ter acontecido.
– Adam ainda não acordou? –
perguntou Rebecca surpresa.
– Não! Não acordou e não mude de assunto. O que aconteceu para vocês
chegarem naquela situação? Adam mal teve forças para chegar até a
porta. Se eu não estivesse em casa para trazer vocês correndo para o hospital,
não sei o que poderia ter acontecido.
Rebecca sentiu-se embaraçada. Não sabia se jogava limpo e falava toda a verdade
para a mãe de Adam, ou inventava um desculpa e deixava para o alquimista a
decisão de abrir o jogo. Por fim decidiu passar a batata quente para ele e, por
hora, inventar uma desculpa.
– Um incêndio nos pegou no parque. Estávamos fazendo um piquenique e
ouvimos o barulho e os gritos das outras pessoas. Adam tentou correr para ver o
que estava acontecendo, mas o fogo nos cercou e ficamos rodeados pelas chamas.
Nossa única alternativa foi subir na copa de uma arvore e esperar pelo socorro,
mas infelizmente a arvore não resistiu as labaredas e cedeu. Tentei pular e
correr para o lago, mas cai de mau jeito e quebrei algumas costelas, enquanto
Adam literalmente caiu no meio do fogo, não sei como ele conseguiu sair e ainda
me ajudar a escapar, deve ter sido um esforço sobre humano.
Dona Rute aparentemente não desconfiou da mentira e parecia
comovida com o esforço e o heroísmo do filho. Rebecca se preparava para
acrescentar mais detalhes e tornar a estória mais verídica quando uma
enfermeira entrou no quarto e encarou dona Rute.
– Seu filho acordou senhora.
A mãe de Adam não se conteve de felicidade e saiu pela porta, agradecendo
a Deus e deixando Rebecca a sós com a enfermeira.
– Será que você poderia me ajudar a chegar ao quarto dele. Também
gostaria muito de vê-lo – pediu Rebecca tentando se levantar.
A enfermeira trouxe uma cadeira de rodas e levou Rebecca pelos corredores
até o quarto de Adam. O alquimista estava realmente acordado e tentava
despreocupar a mãe.
– Não foi nada de mais mãe. Não tinha por que ficar tão preocupada.
– Que não tinha o quê. Você chegou em casa parecendo um zumbi e não
queria que eu me preocupasse!?
– Olá – disse Rebecca entrando pela porta e interrompendo.
– Rebecca! – disse Adam se sentando na cama – Que bom que você está bem.
Ninguém queria me dar informações e eu estava preocupado.
– Apenas algumas costelas quebradas, nada mais. E você com está?
– Acho que estou melhor que você. O médico disse que não quebrei nada e
em alguns dias estarei pronto para outra.
Rebecca riu apesar da dor que sentia nas costelas, mas a mãe de Adam não
achou graça.
– Não há nada de engraçado nisso crianças. Vocês poderiam ter morrido.
Rebecca me contou como você saltou no meio do fogo para resgatá-la quando ela
caiu da arvore e a levou até em casa, mesmo também estando machucado.
Adam olhou curioso para Rebecca, pensando no que a cabalista teria
inventado para sua mãe. A garota sorriu um sorriso amarelo e piscou para o
rapaz.
– Achei que sua mãe merecia saber.
– Err... É claro – respondeu Adam – Fiz o que qualquer um teria feito.
Era necessário e... urgente.
Dona Rute entendeu apesar de pedir ao filho que fosse mais cuidadoso.
Adam concordou e a mãe começou um discurso de que só tinha ele no mundo e não
saberia o que fazer se algo grave lhe acontecesse. Isso deixou o rapaz ainda
mais preocupado. Não esquecera o ataque que sofrera no parque e se aquele
estranho grupo voltasse a atacar, sua mãe poderia sofrer as consequências.
– Quando vou receber alta – perguntou se levantando e calçando os
chinelos – Já estou bem. Posso voltar para casa.
– O médico ainda não decidiu – respondeu dona Rute – mas acredito que, se
tudo correr bem, amanhã já poderá ir pra casa.
– Também quero ir – disse Rebecca – detesto hospital e já estou boa
também.
– Acho que você terá que permanecer um pouco mais querida. Seu caso é
mais grave – respondeu dona Rute desanimando a cabalista.
A enfermeira concordou em deixar Rebecca no mesmo quarto de Adam, desde
que dona Rute permanecesse com eles, então o restante do dia acabou sendo mais
divertido. Conversaram bastante, apesar de não citarem nada referente à magia,
e reclamaram juntos da comida do hospital. No horário de visita, Willian e Lisa,
acompanhados de um grupo de amigos, foram visitar o casal e levaram salgadinhos
e refrigerantes, fazendo uma verdadeira festa no hospital, apesar dos protestos
de dona Rute. À noite, no telejornal local, o apresentador deu a noticia do
incêndio no parque e invocou a divina providencia como resposta para a chuva
que caiu durante todo o dia.
– O fogo, que começou de forma
misteriosa, se alastrou por toda a extensão do parque, queimando as arvores e
os quiosques que se encontravam no caminho. As autoridades suspeitam que tudo
possa ter acontecido devido a um descuido dos visitantes, provavelmente uma
bituca de cigarro ou uma fogueira mal apagada. O corpo de bombeiros esteve no
local, mas a chuva, que providenciosamente começara logo depois do incêndio, já
havia apagados as chamas.
Adam e Rebecca se entreolharam enquanto dona Rute assistia atônita, o
desenrolar dos acontecimentos.
– Não vimos como começou –
dizia um cidadão entrevistado – De repente
as árvores estavam pegando fogo e depois tudo ficou escuro e começou a chover.
Foi Deus, com certeza.
As noticias seguiram nos outros telejornais. Cada um enfatizando, a seu
modo, a maneira como o incêndio magicamente foi controlado. Dona Rute trocava
avidamente de canal, procurando uma reportagem que lhe desse mais detalhes e só
desanimou e desligou a TV quando o último noticiário chegou ao fim.
Os três pousaram no mesmo apartamento e no outro dia, bem cedo, o médico chegou
para dar alta para Adam e transferir Rebecca novamente para seu quarto. A moça
tentou convencê-lo a lhe dar alta também, mas o doutor insistiu que ela ficasse
mais um dia e ela acabou aceitando. Adam foi visitá-la no dia seguinte, mesmo
estando preocupado em deixar a mãe desprotegida. Dona Rute não pode
acompanhá-lo já que havia faltado dois dias no serviço e precisava recuperar o
tempo perdido, mesmo assim mandou lembranças a Rebecca e votos de melhoras. Os
amigos também voltaram e repetiram a festinha do dia anterior, agora mais
ousados, sem a presença de dona Rute para freá-los.
No outro dia Rebecca recebeu alta e Adam foi buscá-la no hospital com o
carro da mãe. Apesar de saber que o alvo dos agressores era ele, também temia
por Rebecca e insistiu para que ela ficasse um tempo em sua casa, até estar
totalmente recuperada.
– Não precisa esquentar a cabeça comigo Adam – disse Rebecca entrando no
carro – Sei cuidar de mim mesma. Se eles voltarem a nos importunar vão ter uma grande
surpresa. Não se preocupe – mas Adam insistiu e a moça acabou aceitando.
– Ok então. Mas só até eu estar completamente recuperada.
Dona Rute, que sugerira a idéia à Adam, recebeu Rebecca de braços abertos
e arrumou um quarto, ao lado do seu, para Rebecca dormir.
– A casa não é luxuosa, mas tem bastante espaço – disse dona Rute
indicando o quarto a Rebecca – Pode se acomodar aqui e se precisar de alguma
coisa, não hesite em me chamar.
– Obrigado dona Rute. A senhora não existe.
Dona Rute sorriu e gesticulou como se aquilo não fosse nada de mais e saiu,
voltando para a cozinha para preparar o café. Teria que partir em seguida para
o trabalho e queria deixar tudo preparado para o café e almoço do casal. Quando terminou, subiu ao quarto de Adam e se despediu
do filho, sugerindo que ele convidasse Rebecca para o café e depois a levasse
para passear nos jardins, no fundo do casarão.
O café foi tranquilo, com Adam excedendo o cavalheirismo com Rebecca, a
ponto de querer passar manteiga no pão e dar-lhe de comer na boca.
– Não estou aleijada Adam – disse Rebecca sorrindo – posso muito bem
comer sozinha.
Adam se desculpou e se preparava para convidá-la para passear no jardim
quando a campainha tocou, desviando a atenção do alquimista para a porta.
Apesar de gostar da companhia dos amigos, pretendia passar algum tempo sozinho
com Rebecca e uma visita àquela hora poria tudo a perder. Saiu da cozinha e foi
até a porta pensando numa desculpa para despachar os colegas, mas, para sua
surpresa, não eram seus amigos da faculdade. Um rapaz loiro e de olhos verdes,
olhava para o olho mágico da porta, tentando enxergar algo em seu interior e
tocava novamente a campainha, enquanto a jovem ao se lado, de longos cabelos
prateados, puxava seu braço e ria da curiosidade do namorado.
– O que vocês querem aqui? – perguntou Adam abrindo a porta de supetão.
A forma como Adam os recepcionou pegou o casal de surpresa e ambos
pularam para trás sobressaltados. Wesley tentou balbuciar alguma coisa, mas Mariah
tomou a iniciativa e encarou Adam, dando um passo a frente.
– Acalme-se alquimista. Viemos em paz.
– Paz! – fungou Adam exaltado – depois do que vocês fizeram a mim e a
Rebecca no parque.
– Tivemos nossos motivos – retrucou Wesley pegando na cintura de Mariah –
E é sobre isso que queremos falar com você. Podemos entrar?
– Não! Não podem – respondeu Adam irritado – Não me importam seus
motivos. Nada justifica uma agressão como aquela.
Wesley suspirou e Mariah voltou a tomar a frente.
– Se você não sabe, eu salvei sua vida. A sua e a daquela garota judia.
Thomas teria matado ambos se eu não tivesse interferido.
– Ah! Muito Obrigado! – respondeu Adam indignado – Mas eu estava indo
muito bem sem sua ajuda. Por pouco meu ataque não os acertou em cheio, e eu ainda
tinha muitos truques na manga.
– Há! – exclamou Mariah – A única coisa que você conseguiu foi colocar
fogo no bosque. Thomas acabaria com você em minutos se a luta continuasse, e
sua amiga não lhe seria de grande ajuda se Wesley tivesse atendido ao pedido de
Thomas e a empalado nos galhos das árvores.
Wesley passou a mão no cabelo impaciente e puxou Mariah pelo braço.
– Esqueça amor! Essa discussão não vai levar a lugar nenhum e esta claro
que o alquimista não esta disposto a negociar. Vamos deixar tudo nas mãos de
Thomas mesmo, como ele queria. Não devíamos ter nos intrometido. Não tínhamos
nada a ver com essa busca pela árvore da vida.
– Como é? – perguntou Rebecca aparecendo atrás de Adam e se intrometendo
na conversa. Vocês também estão em busca da árvore da vida? Quem são vocês?
– Sou Wesley Green – respondeu Wesley – e minha namorada é Mariah White.
Estamos acompanhando meu primo Thomas nessa jornada, mas antes precisamos
dos artefatos do nosso avô, que o avô desse aí roubou.
– Meu avô não roubou nada – respondeu Adam erguendo o tom de voz – Todos
os artefatos que ele me deixou lhe pertenciam. Ele os encontrou em suas
andanças pelo mundo e os marcou com suas iniciais. Todos, exceto o mapa que
tinha as inicias... Como é o nome do seu avô?
– Jonatas Black – respondeu Wesley – ele assinava com um JB no final das
páginas e tenho certeza que você tem artefatos dele. Thomas não mentiria.
– Temos alguma coisa – respondeu Rebecca cortando Adam – Entrem. Vamos
conversar lá dentro.
Adam liberou a passagem a contragosto e seguiu o casal que acompanhava a
cabalista até a sala. Sentaram-se e Rebecca começou a especular sobre o
parentesco deles com o necromante Jonatas Black.
– Jonatas Black era nosso avô, então Thomas e eu somos primos – disse Wesley – Minha mãe é irmã do pai dele,
por isso ele é um necromante e eu um ranger, como meu pai. Quando ele morreu,
há dezoito anos, Thomas ainda era um bebe, mas cresceu seguindo os passos do avô
e, apesar de seus pais não quererem, tomou para si a tarefa de completar sua
missão e resgatar o fruto da árvore da vida. Ele sempre foi obstinado e, apesar
do jeitão de carrasco, é uma boa pessoa. Tenho certeza que depois de ouvirem
nossa história, vocês entenderão:
Thomas sempre foi o exemplo típico
de necromante: esperto, curioso, inteligente e ousado. Entrou no circulo negro
com apenas cinco anos e, mesmo não tendo domínio da magia, já se destacava entre
os outros meninos. Com quatorze registrou uma canção no livro negro e com
dezessete já estava formando. Depois permaneceu mais dois anos no circulo,
trabalhando como monitor e ajudando os novatos a se adaptarem.
Os Black, ao contrario dos Night,
não são uma família rica e só com muito esforço, seus pais conseguiram pagar
sua permanência no círculo.
Seu pai – Edmund Black – era muito rígido e
sempre exigiu de seu filho as melhores notas, por outro lado, sua mãe sempre o
incentivava e sempre foi um amor de pessoa. Ela ficou muito triste quando ele
decidiu deixar sua cidade natal e sair pelo mundo em busca do fruto, mas acabou
aceitando a decisão do filho.
A busca pela árvore da vida era
tabu entre os necromantes desde que Jonatas Black desapareceu em sua caça e
surgiram rumores de que um alquimista, seu amigo, teria usurpado seus artefatos
e dado cabo de sua vida. Thomas não tocava nesse assunto, mas a partir da
“passagem” de seu pai – que não aprovava a vontade de Thomas de se envolver com esse tipo de
aventura e nem queria ver o nome da família metido em confusões com outras
classes – começou a buscar informações sobre o caso e, com o acesso aos
arquivos que tinha conquistado como monitor, encontrou os registros da época
com o nome, localização e estado civil do alquimista que tinha desgraçado seu
avô. Com esses dados em mãos, buscou, com um ancião do círculo que lhe tinha
apreço, a situação atual do acontecimento e descobriu que o alquimista já
estava morto desde a tentativa frustrada de invasão do jardim, mas que, antes
de morrer, enviara os artefatos de Jonatas para seu filho, hoje também
falecido, e que agora estavam em poder de seu neto – Adam Ocher – um alquimista
sem grande projeção. Ele jurou reavê-los e terminar o serviço do avô, regatando
o fruto da árvore da vida e liderando a resistência da humanidade na batalha do
apocalipse.
Quanto a mim, cresci sob a sombra
de Thomas e, sempre que seus pais iam nos visitar, falavam sobre seus feitos e
os planos que tinham para ele no futuro. Thomas por sua vez, não comentava os
projetos de seu pai e sempre mantinha a discrição quanto ao seu futuro. Eu o
admirava muito, não apenas pelo prestigio e capacidade, mas também pela pessoa
que ele era. Sempre me defendia dos outros garotos e, apesar de eu ser um
ranger, me tratava como um igual e não deixava os outros necromantes zombarem
de mim. Porém, ao mesmo tempo em que era legal, também era muito exigente e não
aceitava sinais de fraqueza e me repreendia quando eu agia de maneira covarde.
Mesmo assim éramos felizes. Brincávamos nas ruas e nas praças, imitando
personagens famosos do passado e, quando saíamos de férias, Thomas me convidava
para uma aventura e sempre assumia a culpa quando nos envolvíamos em confusão,
que era quase sempre.
Meu pai era um ranger não
praticante e levava a vida sem se preocupar com o amanhã, sendo assim, todo meu
incentivo veio de minha mãe e da família de Thomas e por pouco não me tornei um
bastardo12, mas quando a magia aflorou em mim, no início da
adolescência, senti o apelo da natureza e deixei de lado todas as minhas
pretensões necromantes.
Frequentei o Círculo Verde, mas
nunca fui um discípulo muito aplicado, mesmo assim Thomas me chamou ajudá-lo
quando decidiu iniciar sua jornada e eu, querendo mostrar a todos que não era o
desqualificado que todos pensavam, aceitei.
No caminho para cá, conhecemos
Mariah e foi a melhor coisa que me aconteceu. Ela aceitou vir conosco e nos
ajudar e, quando tudo isso acabar, pretendemos nos casar.
Wesley terminou o relato beijando as mãos de Mariah, que afagou seu
cabelo e levantou seu rosto, dando-lhe um selinho. Rebecca acompanhava tudo
interessada, enquanto Adam resmungava em seu canto, carrancudo. Não gostava da
maneira como o ranger falara de seu avô e gostava ainda menos de ter um
concorrente na busca pelo fruto imortal. A cabalista parecia não se importar
com os muxoxos de Adam e começou a indagar se eles conheciam a rota para chegar
ao jardim e os perigos que enfrentariam.
– Estamos cientes dos perigos – respondeu Wesley – mas não conhecemos bem
o terreno. Thomas diz que assim que recuperarmos o mapa poderemos nos situar,
porém, antes temos que descobrir uma maneira de decifrar os manuscritos e
encontrar o artefato que abre o portão. Sem eles o mapa não serve para nada.
– Então temos muita coisa para pesquisar – disse Rebecca – Mas para isso
temos que nos ver com certa frequência. Onde vocês estão hospedados?
– Estamos no hotel Royale – respondeu Wesley – mas Thomas quer fechar a
conta. Está ficando muito caro manter os quartos e temos que economizar para a
viagem até o Iraque.
Rebecca olhou para Adam esperançosa, mas o alquimista retribuiu com
frieza no olhar.
– Aqui não podem ficar – respondeu – Minha mãe nunca permitiria e também
não podemos bancar os custos. Eu não trabalho e minha mãe não ganha o
suficiente.
– Eu poderia ajudar – disse Rebecca – tenho algumas economias e posso
pedir ajuda a meus avós se as coisas complicarem, mas a decisão é sua Adam.
– Não será necessário – interveio Wesley percebendo a má vontade de Adam
– Vamos dar um jeito. Qualquer coisa montamos acampamento no campo.
– A CASA DE SUA AVÓ! – disse Rebecca como os olhos brilhando – Ela é
perfeita. Longe da cidade, tranquilo e só você tem acesso. Eles podem ficar lá.
Poderemos visitá-los sempre que precisarmos e ninguém desconfiará de nada.
Afinal, o terreno é seu agora.
Adam não gostou da idéia. Não queria profanar o lar de seus avós com
pessoas que eles não conhecessem, mas sabia que precisaria da ajuda de Rebecca
e dos outros se quisesse ter êxito em
sua missão, então aceitou. Mariah parecia feliz e Wesley acertou os detalhes
com Rebecca e tentou cumprimentar Adam, mas ele virou as costas e voltou para o
quarto. Rebecca o procurou minutos depois e disse que combinou de
pega-los às dezenove horas, em frente ao hotel onde estavam e levá-los até a
cabana na chácara e queria saber se Adam a acompanharia.
– Vou sim. Pode deixar, mas precisamos arrumar um desculpa para minha
mãe. Ele já vai estar em casa nesse horário e não vai gostar de nos ver saindo.
– Pode deixar que tenho um plano – completou a cabalista sorrindo
maliciosamente.
No horário marcado. Rebecca inventou para a mãe de Adam que sentira
algumas dores nas costas e pedira para Adam levá-la ao pronto-socorro para fazer
alguns exames e verificar se estava tudo em ordem. Dona Rute aceitou a
historia, mas pediu que ela levasse Rebecca, pois Adam ainda não estava
totalmente recuperado.
– Não se preocupe mãe. Estou ótimo e o carro de Rebecca é muito fácil de
dirigir. Vai sair tudo bem.
– Ok então filho, mas tome cuidado e qualquer coisa me ligue ok. Rebecca
prometa que o fará ligar.
Rebecca concordou e saíram para buscar os novos companheiros no local
marcado. Thomas estava de pé, ao lado da porta do hotel e reclamava de alguma
coisa. Wesley e Mariah estavam sentados nas malas e pareciam entediados com o
protesto do colega. Quando viram o carro de Rebecca se aproximando,
levantaram-se e foram esperá-los na beira da rua, com exceção do necromante,
que permaneceu onde estava.
– Chegamos! – disse Rebecca estacionando e descendo do carro – Olá
Mariah, Wesley e olá para você também Thomas. Apesar de nosso primeiro encontro
não ter sido muito amistoso, espero que sejamos bons amigos daqui para frente.
– Hã! – resmungou Thomas – Não tenho intenção nenhuma de ser seu amigo
cabalista e muito menos desse seu amigo mauricinho cheirando a leite. Só
aceitei essa parceria porque meu primo insistiu que essa era a única maneira de
conseguir os artefatos discretamente e seguir com a missão, mas não pensem que
esqueci o episódio do parque. Ainda vai me pagar por aquilo alquimista – e
pegou sua mala e jogou de qualquer jeito no porta-malas do Corolla.
Por um momento Rebecca parecia que ia protestar, mas apenas balançou a
cabeça e foi dar um abraço em Wesley e um beijo em Mariah. Adam que não desceu
do carro, encarou Thomas como que o desafiando a se vingar, mas o necromante se
virou, ignorando-o e entrou no carro, sentando-se atrás do banco do motorista.
Wesley e Mariah o seguiram após guardar as malas e logo estavam a caminho do
sítio. Thomas e Adam permaneceram o tempo todo em silencio, mas Wesley e Mariah
conversaram com Rebecca, contando, em detalhes, como resolveram a situação no
parque depois que eles saíram.
– Não tínhamos muito tempo, então tivemos que improvisar – disse Mariah
olhando para Rebecca – Thomas teve que repetir o rito e afetar a mente de todos
que estavam ali, para que pensassem que o incêndio foi acidental e Wesley
invocou o temporal para apagar as chamas. No fim deu tudo certo, mas tivemos
que fugir rapidamente para evitar ter que dar explicações. Thomas estava com
medo que déssemos uma bola fora e colocássemos tudo a perder.
– Não foi fácil realizar o rito da chuva, depois do esforço que tive com
as arvores. Eu estava muito cansado e canções de nível III exigem muito do
mago. Por sorte Mariah estava comigo e me ajudou com a recuperação. Ela é uma
druidisa sabiam? – e começou a contar a história de Mariah e sua madrasta na
fazenda, durante todo o percurso até a cabana.
Ao chegar, desceram do carro e foram se instalar. Thomas reclamou de
tudo e ameaçou abandoná-los e acampar no terreiro, mas no fim acabou ficando
ali mesmo. Se auto intitulando “líder da equipe”, reclamou a cama dos avós de
Adam para si e colocou Wesley e Mariah para dormir no chão. Após algumas horas
de discussões e arrumações conseguiram colocar alguma ordem no barraco e Adam e
Rebecca voltaram para casa. Estavam cansados pelo dia cheio e ainda não estavam
totalmente recuperados das lesões que sofreram no parque, por isso, foram
dormir assim que chegaram.
No outro dia, inventaram uma desculpa para a mãe de Adam e voltaram a
cabana onde o restante do grupo estava instalado. Thomas estava no campo,
cultivando algumas hortaliças e Wesley e Mariah jogavam um jogo de tabuleiro,
parecido com uma mistura de xadrez e gamão.
– Chama-se Elementares Adam – disse Wesley – É um jogo muito
comum entre os magos. O objetivo é destruir as quatro peças principais do
adversário e ao mesmo tempo, impedir que ele destrua as suas. Vamos jogar uma
partida que eu lhe ensino.
Adam sentou e logo se enturmou com o restante do pessoal. O jogo era
divertido e exigia estratégia, mas apesar de todo seu esforço intelectual, foi
esmagado por Wesley, que ganhou todas as partidas sem muito esforço. Vendo que
não tinha chance como o ranger, Adam decidiu desafiar Mariah, mas também levou
uma surra, então só lhe restou desafiar Rebecca, mas desistiu, assim que
assistiu a uma partida da cabalista contra Wesley. Rebecca ganhou facilmente e
não perdeu nenhuma das peças principais, enquanto Wesley se esforçava para não
ser tremendamente humilhado.
Thomas chegou pouco tempo depois. Estava suado e havia tirado a camisa,
exibindo o tórax definido, mas parecia constrangido e se desviou para os fundos
quando reparou que tinha visitas. Rebeca se levantava para ir ao banheiro
quando reparou no estranho colar em seu pescoço. Era uma lua minguante
negro-arroxeada e circundava uma caveira da mesma cor. Na ponta da lua havia um
orifício do qual passava uma corrente de prata que envolvia o pescoço do
necromante. Adam, que acabava de perder mais uma partida, dessa vez para
Mariah, percebeu o interesse de Rebecca por Thomas e sentiu uma pontinha de
ciúme. Resolveu então desafiar Thomas para uma partida, mas o necromante não
aceitou.
– Você não daria nem para o começo Ocher – zombou Thomas – Fui o melhor
do meu circulo e ganhei todos os torneios que participei. E no mais, pelo que
vi, você não ganharia nem de um inapto com deficiência mental.
Adam se levantou furioso, mas o necromante lhe deu as costas e se dirigiu
ao banheiro para tomar um banho, porém Rebecca estava lá e ele teve que
esperar.
– Não ligue para o que o Thomas diz – disse Mariah baixinho – Ele não
fala por mal. É só o jeito dele.
– Ele é um metido, isso sim – protestou Adam – um dia ainda tiro aquele
sorriso zombeteiro da cara dele.
– O papo está muito bom, mas não viemos aqui para jogar, não é Adam –
disse Rebecca voltando do banheiro – Temos que discutir um plano para levar a
cabo nossa pretensão. Se vamos partir dentro em breve, temos que deixar tudo
preparado.
– Thomas já tem um plano – acudiu Wesley – Assim que ele voltar
discutiremos.
Thomas voltou em seguida, limpo e vestido e tomou lugar ao lado de
Wesley, formando um circulo em volta da mesa. Mariah, que tinha terminado uma
partida com Rebecca, foi até a geladeira e voltou com uma jarra de bebida,
distribuindo entre os presentes. O cheiro era bom, mas o gosto forte indicava
que possuía uma grande concentração de álcool.
Thomas tomou um gole e pediu para ver os artefatos que possuíam e Adam os
mostrou, meio a contragosto. Ele examinou a todos, se demorando um pouco no
mapa de seu avô e por fim perguntou pelo espelho, ao notar que possuíam apenas
a foto.
– Não está comigo – respondeu Adam – só tinha essa foto no baú.
– Esse é o museu de Londres – disse Mariah pegando a foto das mãos de
Thomas – Já estive lá com meu pai a tempos atrás. Mas porque o espelho está lá,
ao invés de junto como os outros artefatos.
– Não faço a mínima idéia – respondeu Adam – Meu avô não chegou a voltar
do jardim. Os artefatos foram enviados para minha avó por um tal de John Brow. Ele deve ter ficado
com o espelho e vendido para o Museu. Fiquei sabendo que era um ladino, e
ladinos não aguentam ver dinheiro.
– John Brow morreu
pouco tempo depois que seus avós – emendou Rebecca – Mas sei que ele
tinha um filho. Deve ter sido ele que vendeu o artefato ao museu, se é que foi
isso mesmo que aconteceu.
– De qualquer forma precisamos do espelho – disse Thomas tomando mais um
copo do coquetel – Sem ele não poderemos prosseguir para o Iraque.
– Talvez possamos comprá-lo – sugeriu Mariah – ainda temos algum dinheiro
guardado.
– Sem chance – retrucou Thomas – Precisamos do dinheiro para nos
mantermos no Iraque enquanto buscamos o jardim e não temos nem idéia de quanto
tempo isso demorará.
– Qual é o seu plano então? – perguntou Rebecca se mexendo no banquinho e
encarando Thomas.
– Meu plano é tomar o museu e roubar o espelho, substituindo-o por uma
cópia – começou Thomas – O alquimista deve ser capaz de fazer uma com a
oferenda adequada. Com a cópia em mãos, invadimos a casa do guarda da recepção
e o colocamos sobre nosso domínio. Teremos que escolher um horário em que ele
esteja sozinho para não chamar atenção. Depois, á noite, introduzimos Rebecca
no museu e deixamos todos os outros guardas inconscientes. Vamos usar Rebecca
porque ela consegue se virar apenas como sua energia vital e não temos muito
material de oferenda, por isso é bom não arriscarmos. Com os guardas dominados
o caminho fica livre para nós. Ainda tenho algum osso guardado que deve servir
para o começo e não estou com disposição para invadir cemitérios e violar
túmulos por isso temos que acertar de primeira. Mariah ficará de vigia,
enquanto Wesley invocará um nevoeiro para nos acobertar, em Londres isso não
deve causar surpresa. Adam provocará um curto na central de segurança e então
eu invado a sala do espelho e o substituo pela cópia, a segurança dele não deve
ser muito grande já que não é um objeto de valor. Apagamos a memória recente do
guarda e caímos fora. Em meia hora devemos estar de volta ao hotel como o
espelho em mãos.
– Eu vou com você até o espelho – disse Adam interrompendo – para o caso
de precisar de ajuda.
– Cairá um pedaço do céu antes que eu precise de sua ajuda para pegar um
espelho – respondeu Thomas bebendo novamente – Cuide das câmeras e já estará
ajudando bastante.
– Eu insisto – respondeu Adam calmamente – Quem garante que você não
fugirá com o espelho quanto o tiver em mãos.
– Há! Sabia que era esse o motivo – zombou Thomas – Se eu quisesse fugir
com o artefato, não seria você que me impediria, mas tudo bem, quem sabe você
não serve para algo afinal.
– Não acho certo roubarmos o museu – disse Rebecca por fim – deve haver
outro meio de conseguirmos o espelho. Talvez se pedíssemos eles nos
emprestariam por um tempo. Como você disse, não é um objeto de valor e
provavelmente não lhe dão a importância devida. Ou talvez possamos alugá-lo por
um tempo. Dizemos que é para uma exposição ou algo assim. Pode dar certo.
– Nem pensar – retrucou Thomas – Com certeza nos rejeitariam e poderiam
até aumentar a segurança como medo de nós o roubarmos depois da recusa. Não
vamos arriscar. Roubamos e substituímos por uma cópia e ponto final. Eles não
vão perceber mesmo. Não conhecem o verdadeiro poder do artefato.
– Ainda acho errado roubar – concluiu Rebecca – deve haver outra maneira.
– Escute aqui cabala. Essa é uma missão essencial para nossa demanda e se
você não esta disposta a cometer atos ilegais, melhor nem participar. Só iria
nos atrapalhar e já temos problemas o bastante sem uma patricinha com encargo
de consciência.
– Não fale assim com Rebecca – ameaçou Adam – Eu também não acho certo
roubar.
– Isso vale para você também alquimista. Aliás, vale para todos. Se não
estiverem dispostos a arriscar tudo e entrar de cabeça nessa incumbência,
melhor ficarem aqui onde é seguro. Essa não é uma missão para covardes.
Adam ia retrucar, mas Rebecca o calou com um olhar. Voltaram a discutir a
missão e calcularam o tempo para os preparativos, decidindo que partiriam
dentro de um mês. Rebecca não parecia muito entusiasmada, mas aceitou as
condições e terminaram o dia com uma partida de Elementares entre Thomas e Rebecca que, de maneira inesperada, e
após duas horas de disputa, chegou ao final, conclamando à vencedora e pondo
fim a invencibilidade do necromante.
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